Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil

A Lei 14.701/2023, que institui o marco temporal das terras indígenas, foi promulgada nesta quinta-feira (28) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A publicação aconteceu após o Congresso derrubar o veto de Lula a partes do projeto, dentre elas, a que fixava uma data para o direito à terra demarcada.

Horas depois, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a lei.

Declarada inconstitucional  pelo STF em setembro, a ‘tese’ aprovada no Congresso define que indígenas só têm direito a pedir a demarcação de terras nas quais já tinham a posse ou eram alvo de disputa judicial até 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

“Enquanto a ADI tramita no STF, nós, povos indígenas, não podemos sofrer os danos da lei. É por isso que estamos solicitando uma medida cautelar, ou seja, que a lei seja suspensa durante o processo da ação de inconstitucionalidade”, disse o coordenador executivo da Apib, Kleber Karipuna, em nota divulgada à imprensa.

Relatoria

Na ação apresentada ao Supremo, a Apib pede que o caso fique na relatoria do ministro Edson Fachin. Ele foi o relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, que encerrou com o reconhecimento, pelo STF, da inconstitucionalidade do marco temporal por 9 votos a 2.

De acordo com a Apib, a nova ação foi apresentada em conjunto com os partidos Psol e Rede. Anteriormente, a organização havia afirmado que as siglas PSB e PT, o partido do presidente Lula, também estariam na ação. O novo anúncio não menciona esses dois partidos.

Anteriormente, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, já havia afirmado que acionaria a Advocacia-Geral da União (AGU) para entrar com uma ADI, no STF, contra a nova Lei promulgada.

Reação

“O presidente Lula não promulgou a Lei do Marco Temporal após a derrubada dos vetos no Congresso, mas hoje (28), infelizmente, a Lei foi promulgada pelo presidente do Senado. Retrocesso contra os povos indígenas. Últimos dias de 2023 vindo pra nos mostrar que a luta não para”, disse a ministra, nesta quinta-feira.

O apoio do governo federal contra o marco representa ainda uma mudança de posicionamento do Executivo no tema. Na gestão anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) chegou a defender a tese. Em uma das ocasiões, citou o marco temporal para se negar a demarcar uma terra reivindicada por indígenas, o Lago Soares, em Autazes, no Amazonas.

Outros trechos

Embora o marco temporal seja o principal dispositivo questionado na Lei 14.701/2023, outros trechos considerados graves também serão questionados pelas organizações no STF. Dois deles foram mantidos durante análise do presidente Lula ao projeto: O Art. 26, que autoriza a exploração de atividades econômicas por indígenas nos territórios com a participação de terceiros; e o Art. 20, que coloca o direito de usufruto da terra pelos indígenas como não superior ao interesse da política de defesa e soberania nacional.

“Apesar de o Lula ter vetado parcialmente o projeto, o que ele manteve também será alvo de ação judicial”, afirmou para A CRÍTICA o advogado da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Ednaldo Tukano. Segundo ele, a entidade deve ingressar como amicus curiae na ação apresentada no Supremo pela Apib.

Dentre trechos vetados pelo presidente, e que depois foram derrubados pelo Congresso, estão ainda os que autorizam obras de infraestrutura em terras indígenas, como estradas e hidrelétricas, sem consulta livre, prévia e informada; cultivo de transgênicos; a flexibilização das políticas para indígenas isolados.

“Já está internalizada, no nosso sistema jurídico, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante consulta prévia a indígenas em todas as ações que afetem esses povos. Em vários artigos da Lei aprovada, está bem claro que todas as ações que podem ser feitas em terras indígenas poderão ocorrer independente da anuência das populações”, alerta o advogado indígena.

Partidos de direita vão ao STF

Ainda nesta quinta, o Partido Liberal (PL), que abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro; o Progressistas (PP), do presidente da Câmara, Arthur Lira; e o Republicanos ingressaram com uma ação no STF para garantir a eficácia da nova Lei do marco temporal.

“Em cenário de discordância republicana entre poderes acerca de determinado conteúdo normativo, a última palavra em um regime democrático, sempre deve ser do Poder Legislativo, verdadeira casa da democracia”, defendem os partidos, na ação.

Após sorteio eletrônico, a relatoria da ação foi destinada ao ministro Gilmar Mendes. Na votação do marco temporal no STF, o ministro decidiu pela inconstitucionalidade da tese, desde que assegurada a indenização “aos ocupantes de boa-fé” de terras indígenas.

Em vídeo publicado nas redes sociais, o senador Marcos Rogério, relator da matéria no Senado, comemorou a promulgação da nova Lei. Segundo ele, o texto traz segurança jurídica e o direito de propriedade.

“Com a aprovação dessa Lei, agora temos de volta essa garantia. Infelizmente, muita gente estava preocupada, angustiada com isso, correndo o risco de perder a sua propriedade, e com essa matéria, com essa Lei, devolvemos a segurança jurídica para quem está no campo”, disse.

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