O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima afirmou à Justiça Federal, em documento enviado no último dia 17, que houve um “drástico enfraquecimento dos esforços” do governo Lula (PT) para a retirada de invasores da Terra Indígena Yanomami.
A consequência, conforme o MPF, foi o “reingresso massivo de garimpeiros” em áreas do território que já haviam passado por um processo de desintrusão –a retirada de não indígenas da área.
A pedido da Procuradoria da República, a Justiça determinou no dia 18 que o governo federal elabore um novo cronograma de ações, a ser discutido em uma audiência de conciliação envolvendo os órgãos responsáveis.
Até a publicação desta reportagem, o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) não havia comentado as constatações do MPF e a decisão da Justiça Federal.
Em uma nota divulgada no dia 9, o ministério disse que houve 13 mil atendimentos de saúde aos indígenas encontrados em grave situação de desassistência e que mais de 340 acampamentos de garimpeiros foram destruídos nas ações de fiscalização, com queda de 77% na área desmatada para exploração ilegal de ouro.
“Com a adoção de diversas ações emergenciais, foi possível garantir a recuperação dos indígenas com graves problemas de saúde“, afirmou a pasta na nota do dia 9. “O Ministério da Defesa informa que o controle do espaço aéreo sobre o território yanomami permanece ativo e é feito exclusivamente pelo comando da Aeronáutica.“
No próximo dia 20 de janeiro, completa um ano da declaração do estado de emergência em saúde pública na terra yanomami. Foi um dos primeiros atos do governo Lula, diante da crise humanitária enfrentada pelos indígenas, com explosão de casos de malária, desnutrição grave e doenças associadas à fome, como diarreia e pneumonia.
Em fevereiro, teve início a operação para retirada de mais de 20 mil garimpeiros do território, o que prosseguiu pelos meses seguintes, com a expulsão de invasores e redução de quase 80% da área garimpada, segundo o Ministério da Defesa. Esses invasores foram estimulados ao garimpo ilegal pela gestão anterior, de Jair Bolsonaro (PL).
As ações tiveram relativo êxito no primeiro semestre, segundo MPF. Depois, houve um esvaziamento das ações, levando ao retorno de garimpeiros e à continuidade de adoecimento e morte de yanomamis, especialmente crianças de 0 a 4 anos.
A realidade de avanço de garimpeiros em um território tradicional, até bem perto das comunidades, não é exclusiva dos yanomamis. A série de reportagens “Cerco às Aldeias”, publicada pela Folha de SP ao longo de 2023, mostrou que invasores cercaram aldeias nas Terras Indígenas Kayapó e Mundurucu, no Pará, e Sararé, em Mato Grosso.
Essas três terras indígenas foram as mais invadidas de 2023, sem que houvesse ações de desintrusão por parte do governo federal.
No caso do reingresso massivo de garimpeiros à terra yanomami, o MPF listou o que se passa em cinco regiões do território, o maior do país, conforme o que foi apurado pela Procuradoria nas últimas semanas.
Em Kayanau, indígenas queimaram o posto de saúde por falta de atendimento e diante da invasão garimpeira, segundo o documento da Procuradoria. Em Arakasa, helicópteros lançaram insumos para instalação de garimpos, em 2 e 3 de novembro. Houve ameaças de morte a indígenas, que fugiram do lugar.
Também houve ameaças de garimpeiros a indígenas em Herebe, e reativação de um garimpo –com participação de facções criminosas– em Waikás, conforme a petição do MPF. Em Surucucu, invasores mantiveram crianças yanomamis amarradas e sob ameaças, cita o documento.
“Em outubro, inúmeros eventos de violação dos direitos humanos na Terra Indígena Yanomami, incluindo mortes de indígenas, estupros, violência contra crianças e idosos, foram relatados à Corte Interamericana de Direitos Humanos“, afirmou o MPF.
“Tal retomada das atividades delitivas coincide com o drástico enfraquecimento dos esforços do governo federal na operação de extrusão de garimpeiros da terra indígena, evidenciado pela redução das tropas destacadas para a missão e desmobilização de aeronaves outrora empregadas para incursões contra o garimpo“, disse o procurador Alisson Marugal na peça enviada à Justiça.
Segundo o procurador, há omissão do Ministério da Defesa em providenciar o abastecimento de aeronaves do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) empregadas nas ações de fiscalização e retirada de invasores.
O relatório mais recente do Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami, ligado ao Ministério da Saúde, mostra que 308 yanomamis –ou indígenas de outros subgrupos na região– morreram em 2023. Os dados incluem registros até 30 de novembro. Mais da metade dos óbitos foi de crianças de até 4 anos.
Entre as causas principais das mortes estão pneumonia, diarreia, malária e desnutrição.