Na região da Missão Catrimani, na Terra Indígena Yanomami, 55 jovens e idosas estiveram reunidas para o XIV Encontro das Mulheres Yanomami durante a segunda semana de novembro. Nesta edição do evento, elas puderam falar sobre órgãos genitais, gestação, relações sexuais, meio ambiente e como estes temas impactam na saúde da mulher na floresta.
Uma das preocupações recorrentes relatadas pelas mulheres foi a saúde das crianças. Elas citaram como exemplos a desnutrição infantil, os casos de malária e sobretudo outras doenças também levadas pelos garimpeiros ilegais ao território indígena.
As Yanomami contaram que, no início deste ano, os garimpeiros ilegais estavam sendo retirados, mas agora já percebem que os invasores começaram a retornar à maior Terra Indígena do Brasil antes mesmo que os rios pudessem se recuperar.
Em janeiro, o governo estabeleceu uma Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), combinada com a desintrusão do território, mas, após seis meses, um relatório apontou a falta de coordenação nas ações. Desta forma, as mulheres afirmam que atividade ilegal seguirá adoecendo e matando seus filhos.
“As mães quando estão grávidas bebem água com doença. Por isso você, Lula, mande remédios. Os garimpeiros estragaram [a terra e os rios] e nos deixaram fracas. A doença trazida pelos garimpeiros nos estragaram e, por causa disso, as crianças nascem podres”, registraram as mulheres da Missão Catrimani durante as discussões em grupos divididos por regiões.
Médicas e enfermeiras participaram do encontro para dialogar, entender o contexto que as Yanomami vivem e fornecer informações sobre infecções sexualmente transmissíveis, métodos de prevenção e pré-natal. As profissionais fazem parte do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI- YY) , Médicos sem Fronteiras e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Outras preocupações relatadas pelas indígenas foi sobre as doenças sexualmente transmissíveis que chegaram aos Yanomami após contato com os não indígenas, por isso, as anciãs incentivam que as mais jovens façam os exames médicos.
“Eu não tenho vergonha da minha vagina, mostro minha vagina sem vergonha. Já que eles estão procurando as doenças, eu vou mostrar sem vergonha, você pode mostrar”, relatou Nilsa Xuwarinapi durante o encontro.
Outro tema abordado durante o encontro foi a gestação e a assistência à saúde para as mulheres yanomami. Para Manuela Otero Sturlini, assessora do Instituto Socioambiental (ISA) e uma das apoiadoras do Encontro, os diálogos ajudaram na compreensão dos não indígenas sobre como os Yanomami entendem a gestação e a formação dos bebês.
“A questão do pré-natal é um tipo de assistência que, além de ser incipiente na Terra Yanomami, também não está claro em seu sentido para as mulheres yanomami. A mulher tem importância chave no pré-natal. Para os Yanomami, a mulher tem uma função de sustentar algo que está sendo formado por outros elementos constituintes. O corpo, como nós o entendemos, é só uma das partes que constitui um Yanomami”, pontua Sturlini.
Segundo a assessora do ISA, o encontro das mulheres é um evento que permite o diálogo intercultural entre mundos, sendo uma prática fundamental para a reestruturação da saúde indígena diferenciada. Ela aponta, ainda, que neste ano mais pessoas estiveram envolvidas devido às percepções sobre as necessidades das mulheres no encontro de 2022.
“Durante o encontro do ano passado houve muita denúncia, era o auge da crise sanitária e a situação estava terrível. Neste ano, embora a situação não esteja boa e as melhorias sejam ainda frágeis, preferimos focar no mergulho sobre temas da saúde da mulher e desnutrição, compreender e dialogar para reconstruir. A reconstrução vai ser lenta, os estragos foram bem profundos. Por isso concordamos com as anfitriãs em ampliar o convite.”
‘Mães dos filhos da floresta’
Mulheres de 27 comunidades, de cinco regiões, participaram do encontro entre 10 a 17 de novembro. Pela primeira vez, o evento teve participação de mulheres Yaroamë. A pesquisadora e artesã Loreta Yanomami e a enfermeira missionária Mary Agnes da Missão Catrimani caminharam oito horas pela floresta para conseguir convidar as Yaromae. Com a chegada de todas, uma apresentação das indígenas, da diretoria da Hutukara Associação Yanomami, assessores, antropólogos e profissionais de saúde foi feita.
Após a apresentação de Chiquinha Yanomami, anfitriã do evento na Maloca Monopii, Missão Catrimani, as participantes foram informadas que a carta que escreveram no passado para Luiz Inácio Lula da Silva foi enviada em 2022 e entregue em mãos no dia que o presidente conheceu a CASAI-Yanomami e assistiram às reportagens sobre a emergência em saúde na Terra Indígena Yanomami.
Em seguida, elas se dividiram em grupos para discutir sobre os motivos que causam a desnutrição entre os Yanomami. Um consenso entre as mulheres é que a invasão garimpeira é a principal responsável não só pela desnutrição, mas também por outras doenças que afetam a elas e seus filhos.
“Na nossa terra, os garimpeiros chegaram e nossas crianças passaram a sofrer. Nós, mães dos filhos da floresta, estamos tristes. Nós, mães, estamos com muita tristeza, por isso queremos que Lula apoie os Yanomami”, disse Loreta Yanomami.
Durante o segundo dia, as mães seguiram falando sobre os casos de desnutrição entre seus filhos e xamãs relataram como trabalham para enfrentar doenças que dialogam com a desnutrição. Depois, a médica Ana Paula Pina explicou o que é a desnutrição no entendimento dos não indígenas e falou sobre como identificar os sintomas, pedindo que as mães se atentem a crianças magras com a barriga grande, com quedas de cabelo e feridas pelo corpo.
“O que causa a desnutrição além da falta de comida? A malária, os vermes, a pneumonia, e a água suja de mercúrio do garimpo. As causas para os brancos não são só a falta de comida. A criança pode ter comida e ter desnutrição por muitas doenças. Existem regiões que têm comida, mas tem desnutrição”, explicou a médica.
Após encerrarem a conversa sobre a desnutrição, as mulheres iniciaram o terceiro dia de evento falando sobre gestação e pré-natal. As mulheres relembraram que, antes da invasão garimpeira, quando os rios estavam limpos, os filhos delas não nasciam tão magros.
“Não tinha isso de beber água suja. Não tinha brancos e ficávamos grávidas sozinhas. Nós, velhas, não temos vergonha de que eles olhem nossas doenças. Eles [profissionais da saúde] não acharam doenças na minha vagina, somente na das outras”, contou Nilsa Xuwarinapi.
As Yanomami também relataram que profissionais do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’Kwana (DSEI-YY) não estão examinando seus corpos de forma correta, mesmo quando sofrem com sangramento em seus órgãos genitais. Além disso, pediram por uma estruturação na saúde com melhoria nos postos e construções de hospitais na Terra Indígena Yanomami. Durante as falas, a assessora do coordenador do DSEI esteve presente.
“As crianças nascem sem cabelos, já nascem estragadas. O mercúrio estraga. Eu quero que vocês mandem equipe para ver sobre o mercúrio. Elas [crianças] nascem com ouvidos que saem sangue. O cabelo nasce fraco e cai. Eu quero mesmo que vocês façam um posto melhor. Eu quero que vocês façam hospital porque as crianças estão apodrecendo”, afirmou Neila do Palimiú, comunidade localizada no Rio Uraricoera, uma das regiões mais atingidas pela invasão garimpeira.
No penúltimo dia do evento, os profissionais da saúde explicaram sobre ISTs às mulheres, como fazer o tratamento e ressaltaram a importância dos exames e do pré-natal.
O último dia do encontro foi dedicado à escuta das mulheres que realizaram tratamentos e intervenções nos hospitais referenciados de Boa Vista. As falas explicitam situações de violência obstétrica e a longa e desconfortável espera por atendimento. Juntas à Hutukara, redigiram uma carta para os hospitais. Além disso, adicionaram que há outros problemas de saúde afetando a menstruação e o leite delas.
Além das mulheres representantes das regiões: Missão Catrimani, Demini, Novo Demini, Palimiu, Surucucu, Parima e Haxiú, estiveram presentes representantes da Hutukara Associação Yanomami, Diocese de Roraima, DSEI Yanomami, ISA, Médicos Sem Fronteiras e Unicef.
Durante o encerramento do evento, as profissionais da saúde distribuíram materiais de proteção para relações sexuais e as Yanomami se comprometeram a serem multiplicadoras sobre as conversas em suas respectivas comunidades.