Indígenas protestam contra aprovação do Marco Temporal (Bianca Diniz/Agência Amazônia)

Líderes do governo no Senado bateram o martelo com a oposição para apreciar os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Projeto de Lei 2.903, que fixa o Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. A sessão conjunta já consta na agenda de quinta-feira, 9, da Casa Legislativa. A informação sobre a análise do veto presidencial acerca da tese também foi confirmada nesta quarta-feira, 8, pelo líder do governo no Congresso e senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP).

O líder do governo no Senado Federal, Jaques Wagner (PT-BA), chegou a sinalizar no início desta semana que o governo estaria disposto a deixar o Congresso Nacional votar alguns vetos de Lula em troca da aprovação da Reforma Tributária. A previsão é de que o texto, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, passe por votação em plenário a partir desta quarta.

O coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, informou que houve diálogo direto com senadores nos últimos dias para se manter o veto sobre o Marco Temporal. “Mas, infelizmente, o cenário não é dos mais favoráveis, mas nós, de forma aguerrida, estamos atuando, buscando e articulando para que se garanta todos os vetos. Essas articulações se dá também no corpo a corpo com os senadores e seus assessores. É importante somar todas as nossas forças e todas as nossas articulações em prol do direito dos povos indígenas“, disse.

O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luis Ventura, disse que as chances dos vetos presidenciais serem derrubados são grandes. “Existe uma expectativa muito possível de que o Congresso derrube todos ou parte dos vetos do presidente Lula sobre o PL 2.903, o que seria, em nosso entendimento, uma violência contra a vida e os territórios indígenas, além de uma afronta ao STF e ao governo, bem como uma decisão evidentemente contrária à Constituição Federal de 1988. Também é muito provável que derrubem outros vetos. Direitos fundamentais não podem ser negociados“, explicou.

Luis Ventura também salienta que a possível derrubada do veto sobre o Marco Temporal poderá gerar um impacto negativo definitivo aos povos tradicionais. “Seria extremamente grave para os povos indígenas. O Marco Temporal inviabiliza a demarcação dos territórios indígenas, a segurança dos territórios indígenas. Assegura, na verdade, que a violência continue, permaneça“, disse.

Para derrubar os vetos presidenciais, a sessão conjunta do Legislativo terá que ter maioria absoluta, ou seja, pelo menos 257 votos dos deputados e 41 dos senadores. No final de outubro, Lula vetou o projeto de lei que estabelecia a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, como Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. O presidente, porém, sancionou outros pontos da proposta, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro.

Além do Marco Temporal, entre os pontos vetados por Lula da proposta estão: a obrigatoriedade de comprovação dos requisitos que definem o que são terras tradicionalmente ocupadas ‘baseada em critérios objetivos; a permissão para que não indígenas, que tivessem posse da área demarcada, pudessem usufruir da terra objeto da demarcação até que fosse concluído o procedimento demarcatório e indenizadas as benfeitorias e; a possibilidade da União tomar as terras novamente caso os traços culturais da comunidade indígena tenham sido modificados com o passar do tempo.

Já entre os sancionados estão: determinação de que cabe às comunidades indígenas escolher a forma de uso e ocupação das terras mediante “suas próprias formas de tomada de decisão e solução de divergências”; a previsão de que o processo de demarcação será público e com atos “amplamente divulgados” e disponíveis para consulta online e; direito das partes interessadas no processo de receber tradução oral ou escrita da língua indígena para o português e vice-versa, por tradutor nomeado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Condução no STF
Na contramão do movimento sobre a tese no Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou também, em setembro, e por 9 votos a 2, a aplicação do entendimento. A discussão colocou em lados opostos ruralistas e povos indígenas, que saíram vitoriosos na disputa no Judiciário.

A análise no STF começou em 26 de agosto de 2021, a partir de um recurso apresentado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contra o Marco Temporal. Na ocasião, o voto do ministro Luiz Fux consolidou a corrente segundo a qual o dispositivo fere a Constituição.

Indígenas são contra o Marco Temporal. Afirmam que a posse histórica de uma terra não está necessariamente vinculada ao fato de um povo originário ter ocupado determinada região antes de 5 de outubro de 1988. Conforme esse argumento, comunidades são nômades, e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.

Proprietários rurais, por sua vez, argumentam que há necessidade de se garantir segurança jurídica com relação ao tema e apontam o risco de desapropriações caso a tese se mantenha derrubada. Assim como os ruralistas, o ex-presidente Jair Bolsonaro era favorável à tese do Marco Temporal.

Se a tese do Marco Temporal tivesse o aval do STF, indígenas poderiam ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não comprovassem que estavam lá na data da promulgação da Constituição de 1988. Além disso, processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastavam por anos, poderiam ser suspensos.

O Marco Temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, pudessem ser privatizadas e comercializadas. A hipótese da comercialização respondia ao interesse do setor ruralista.

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