Foto: Arquivo/Metrópoles

Papel higiênico, toalha, chinelo, sabonete. Esses são os principais itens que Aparecida Gomes de Resende, de 43 anos, pretende enviar ao filho Renan, de 23 anos, preso na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), que fica na zona Rural de Boa Vista. A auxiliar de limpeza faz “bicos” em eventos para juntar dinheiro e mandar os itens enviados. Na última visita, Aparecida mandou duas camisetas, produtos de higiene e limpeza, rosquinha de coco e paçoca de carne de sol.

A despesa de Aparecida com o filho preso gira em torno de R$ 900 a R$ 1.400 mensais. Na Pamc, os itens podem ser levados duas vezes por mês, durante as visitas. Além dos itens de alimentação e higiene, a moradora do bairro Nova Cidade, periferia da Zona Oeste de Boa Vista, tem gastos também com gasolina para o transporte, já que não há linha de ônibus que chegue até o presídio.

“O que eu mando para ele mostra que ele não está sozinho, que ele tem família. Nunca deixei faltar nada para ele, sempre lutei e corri atrás. A gente sabe que aqui falta as coisas para ele, que às vezes a comida vem estragada ou sem condições de consumir, que falta sabonete, papel higiênico… Mesmo cansada e virando a noite, jamais ia deixar de mandar”, disse Aparecida.

Os gastos da auxiliar de limpeza complementam uma conta alta para manter Renan e outros reeducandos do sistema prisional em Roraima. Conforme levantamento da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) referente de janeiro a junho de 2023, um preso custa em torno de R$ 1.731, por mês, aos cofres públicos de Roraima. De 2020 a 2023, o custo por preso aumentou 52,10%.

Segundo a secretaria, que disponibiliza os dados estatísticos do Sistema Penitenciário Brasileiro (SPB), as despesas totais se referem à alimentação, transporte, manutenção das instalações e outros serviços para os presídios. Em todo o País, o custo do preso gira em torno de R$ 1.819, por mês, aos cofres públicos, entre janeiro e junho de 2023, em 16 Estados brasileiros.

Apesar disso, Aparecida relata que tem que fazer um esforço a mais para conseguir manter a casa onde ela mora com duas filhas, de 20 e 18 anos, além de mandar os itens para o filho. “Eu levo porque sempre falta, quem é parente de preso sabe que falta, principalmente, os produtos de higiene. Não é de hoje que a gente reclama, mas parece que nossos filhos são vistos como bichos que merecem passar por humilhação só porque estão presos”, complementa.

Roraima mantém 3.094 pessoas privadas de liberdade (entre prisões provisórias ou definitivas), segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de janeiro a junho de 2023. A capacidade de vagas ofertadas no sistema prisional do Estado é de 2.202 vagas. Os presos provisórios são 20% da população privada de liberdade.

A Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc) disse que o envio dos itens de alimentação e higiene é importante para a ressocialização dos presos, mas salienta que o poder público é responsável por toda a assistência aos detentos.

Segundo a assessoria de imprensa do órgão, os presos recebem uniforme completo, peças íntimas e itens de higiene e limpeza, incluindo absorventes para as mulheres, que são repostos “de acordo com a necessidade”. Também diz que são seguidas as indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS), com fornecimento de, pelo menos, 100 litros de água por pessoa para consumo diário e três refeições por dia, além de remédios, conforme prescrição médica.

Nos últimos quatro anos, porém, a Defensoria Pública de Roraima (DPE-RR) recebeu 462 denúncias sobre a má qualidade da alimentação nas unidades prisionais do Estado – em média, uma denúncia por mês. Por meio de reclamações enviadas anonimamente, familiares ou os próprios presos dizem que os alimentos chegam estragados ou com impurezas.

“A falta ou a má qualidade de alimentos ou de itens de higiene faz com que o Estado se torne incapaz de fazer cumprir a política criminal prevista nos regramentos jurídicos vigentes, em notória violação dos direitos humanos. São problemas acumulados ao longo dos anos e, muitas vezes, ignorados”, avalia o professor especialista em Segurança Pública da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e coordenador do Grupo de Pesquisa Ilhargas, do Departamento de Ciências Sociais da universidade, Fábio Magalhães Candotti.

Além da falta de alimentação, Aparecida e outros familiares de presos que aguardavam o horário de visitas na Pamc, no último sábado, 21, relatam também dificuldades para entregar as refeições para os detentos. “Tem casos que só o pessoal de algumas alas é que recebe a comida e os demais não. Mesmo sendo marmita pronta, não autorizaram entrar”, relatou a mãe de um preso que não quis se identificar à reportagem.

Contrato
Quem fornece alimentação e produtos de higiene aos presos do sistema prisional em Roraima é a empresa Qualigourmet Serviço de Alimentação Ltda., alvo da Polícia Federal (PF) por suspeita de superfaturar contratos que movimentaram R$ 70 milhões entre 2015 e 2018. O contrato firmado junto à Sejusc para alimentação e higiene dos presos até 2026 é de R$ 40.529.414,50.

Conforme investigação da Polícia Federal, a Qualigourmet forneceu, desde 2015, refeições aos presídios de Roraima graças a pagamentos de propina e fraudes em licitações. A empresa, oficialmente, tem como dono o vereador por Boa Vista Kleber Siqueira (Solidariedade), que está no primeiro mandato e que chegou a ser preso em flagrante, em 2021, por posse ilegal de uma pistola calibre 380, durante uma operação da PF em Boa Vista. Ele pagou fiança e foi liberado.

Além do valor de R$ 15,5 mil pelo cargo público, “Klebinho”, como também é conhecido, fatura cerca de R$ 25 mil com a Qualigourmet, que é avaliada, segundo a PF, em R$ 3,5 milhões.

De acordo com a corporação, o verdadeiro dono da Qualigourmet é Guilherme Campos, filho da ex-governadora de Roraima Suely Campos. O relatório da investigação diz que Guilherme tem transformado o Estado de Roraima em “um balcão de negócios” e, com o dinheiro que ganha, “compra imóveis e carros de luxo”.

Segundo a Polícia Federal, sempre que a Qualigourmet recebia pagamentos do governo, os sócios sacavam altas quantias de dinheiro de uma agência bancária em Boa Vista. A investigação apurou que, nos últimos três anos, os suspeitos retiraram, pelo menos, R$ 17 milhões para pagar propina a integrantes do governo. Procurados pela CENARIUM, tanto Siqueira quanto a Qualigourmet não se manifestaram para comentar as denúncias.

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