A oposição da Venezuela vota neste domingo para escolher um candidato único que enfrentará o presidente Nicolás Maduro nas eleições de 2024, marcadas para o segundo semestre, em um processo repleto de desafios logísticos e marcado por muitas filas, dentro e fora do país. A favorita em todas as pesquisas é a candidata María Corina Machado, da ala mais radical da oposição, que está inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos — o que em tese a impediria de registrar sua candidatura.
Na semana passada, o regime de Nicolás Maduro e a oposição fecharam um acordo histórico, que estabeleceu para o segundo semestre do ano que vem a realização de eleições presidenciais, com observação internacional. O acordo parcial, assinado durante
as negociações em Barbados, também contempla um pedido importante da oposição: a atualização do registro eleitoral dos eleitores, inclusive os mais de 6 milhões que vivem fora do país.
Mas os avanços, embora celebrados, deixaram em aberto um ponto crucial: a participação de políticos declarados inelegíveis, como María Corina Machado. No total, 21 milhões de venezuelanos registrado podem votar nas primárias deste domingo — a votação também será possível em outros 28 países. Além da candidata, os eleitores terão que escolher entre Delsa Solórzano, Andrés Caleca, Carlos Prosperi, César Pérez Vivas, Andrés Velásquez, Tamara Adrián, Gloria Pinho, César Almeida e Luis Baló Farías — o candidato Henrique
Capriles deixou a disputa poucos dias antes das primárias.
O pleito foi organizado pela própria oposição, que descartou a assistência técnica do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) após meses de evasivas por parte da instituição, que finalmente propôs no último minuto um adiamento de um mês para administrar as
primárias.
— Conseguir realizar as primárias é uma conquista por si só — declarou à AFP o cientista político e professor Jorge Morán. — Superaram uma infinidade de obstáculos e ameaças externas. Mas o atraso do CNE em dar uma definição provocou grandes problemas logísticos, da instalação de centros de votação — em praças, parques, escolas e até casas particulares —, até o credenciamento dos integrantes das mesas e das testemunhas.
— O material não chegou, algumas pessoas vieram para exercer o direito de voto e saíram, mas pretendem retornar quando o material chegar — disse Yampiero Mendoza, 41 anos, que ofereceu sua casa como centro de votação em Catia, um bairro de Caracas
que é reduto do chavismo.
Ao votar, neste domingo, María Corina disse que confia na condução do processo, mas admitiu a presença de desafios logísticos. — Há centros que estão um pouco atrasados. Isso está transbordando e peço que o respeito prevaleça hoje. Confio na forma como a Comissão Primária Nacional conduziu o processo — disse a candidata. — Tem havido muita pressão nestes dias para perseguir e fechar os centros. Peço um pouco de paciência e
ajuda, este é um processo de cidadania.
Em Madri, na Espanha, onde vivem alguns dos opositores que deixaram o país, as filas se estendiam por quarteirões na manhã deste domingo. Os políticos Leopoldo López, Antonio Ledezma e Alejandro Feo La Cruz votaram no mesmo centro de votação na capital da país europeu, onde mais de 22 mil pessoas podem participar do pleito.
— Não creio que seja de todos os partidos, mas obviamente há pessoas que têm um acordo de convivência com a ditadura, que é fingir ser oposição e não se comprometer realmente com a saída da ditadura — disse López, também da ala mais dura da oposição,
ao site Efecto Cocuyo. — No entanto, são uma minoria.
A oposição está cada vez mais dividida, em particular após a experiência fracassada de governo paralelo de Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido por mais de 50 países, incluindo o Brasil, mas acabou deslegitimado interna e externamente após o fracasso
da tentativa de tirar Maduro do poder a qualquer custo.
Carlos Prosperi, candidato do partido tradicional Ação Democrática (AD), que registra uma intenção de voto ínfima nas pesquisas, denunciou no sábado, poucas horas antes do início das primárias, “irregularidades” logísticas e um favorecimento a María Corina Machado. Por isso, muitos analistas não acreditam que as primárias garantirão uma candidatura única.
Deputada combativa
Hoje com 55 anos, María Corina Machado ficou conhecida por liderar a oposição mais linha-dura contra o então presidente Hugo Chávez, mas seu nome se diluiu nos anos seguintes entre outros opositores — com os quais mantém atualmente profundas
divergências.
Nascida em Caracas, em uma família conservadora e católica fervorosa, seu apoio sempre foi limitado às classes mais altas do país e a parte dos venezuelanos no exílio. Mas agora seus atos reúnem centenas de apoiadores das classes populares, inclusive nos redutos chavistas, longe da capital.
Engenheira industrial de formação, María Corina se destacou durante seu mandato, entre 2011 e 2014, como uma deputada combativa — e principalmente por suas críticas ferozes, tanto ao régime quanto à oposição. Uma das principais articuladoras das manifestações contra o governo de Maduro, em fevereiro de 2014, teve seu mandato cassado no mês seguinte pela Assembleia Nacional da Venezuela, comandada na época pelo chavista
Diosdado Cabello, número dois do régime. Depois, em 2015, foi inabilitada politicamente e proibida de deixar o país.
Nos últimos anos, se opôs tanto ao autoproclamado governo interino de Guaidó, quanto ao setor moderado da oposição, liderado por Capriles, que defendia a estratégia de retomar a via eleitoral para derrotar o governo nas urnas.
Acordo deixa tema em aberto
O texto do acordo assinado na semana passada estabelece que será promovida a “autorização a todos os candidatos presidenciais e partidos políticos, desde que cumpram os requisitos estabelecidos na lei”. Com isso, o documento mantém em aberto a possibilidade de que os atuais vetos judiciais sejam utilizados para impedir a inscrição dos candidatos. Ao comentar o tema, na terça-feira, o chefe da delegação chavista, Jorge Rodríguez, deu a entender que as portas seguem fechadas.