“É diferente de tudo que já provei, parece uma sobremesa, mas vale por uma refeição. Sempre trago uma amiga para experimentar açaí depois da academia”, diz a contadora Emily Clark, 23, ao sair de uma lanchonete no centro de Chicago com uma tigela, coberta com morangos e mirtilos.
Já o jornalista Douglas Toh, 25, se espanta ao saber que o açaí é consumido diariamente no norte do Brasil –em Singapura, uma tigela não sai por menos de R$ 40 na moeda local e, apesar de o fruto ter virado uma febre em seu país, só dá para comprá-lo de vez em quando.
O Brasil é o maior produtor mundial de açaí e mais de 90% da produção é do Pará, que também é o seu principal mercado consumidor.
As exportações de derivados do açaí cresceram exponencialmente nos últimos anos. Apenas entre 2019, antes da pandemia, e 2022, o aumento foi de 132,5%, segundo cálculos das duas entidades baseados no Comex Stat (plataforma de dados de comércio exterior do governo federal).
Os principais importadores hoje são Estados Unidos, Japão, Austrália e países europeus, mas há um interesse crescente em outros mercados do oriente, sobretudo China, Singapura e Índia.
“Muitos estrangeiros e brasileiros acabam fazendo negócios lá fora. Temos clientes na Califórnia que montaram uma loja e ajudaram a divulgar o produto. Um outro foi para Dubai, nos Emirados Árabes, e apresentou o açaí”, conta Uberlândio dos Santos, sócio da paraense Xingu Fruit. “O mercado aceita muito bem, ele se torna interessante onde chega.”
A empresa de Santos trabalha com cooperativas e grandes produtores, recebe o fruto e faz polpa, sorbet (sobremesa sem leite) e sorvete. 65% das vendas são para o mercado nacional e o restante é para exportação.
“O mercado nacional cresce muito mais rápido, já que muitas cidades do Brasil ainda estão descobrindo o produto, mas o volume de exportação também vem aumentando.”
O empresário chegou a ter quatro lojas físicas na cidade e pesquisando um pouco mais sobre o mercado, Santucci viu que a grande oportunidade estava em exportar. No fim de 2016, já estava participando de um programa de capacitação da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) e montou, com recursos próprios, uma fabriqueta dentro de um contêiner.
“Em 2017, passei a fazer o que sabia, traduzir anúncios para a internet. Começamos a exportar em 2018, para o Canadá e os Emirados Árabes. O pessoal pedia uma encomenda pequena para conhecer o produto -duas semanas depois, já pediam mais”, lembra.
A produção cresceu e ele já vendeu sorvete de açaí a 20 países. “O que a gente percebe é que ele ainda é novidade. Recebemos recentemente uma delegação do Nepal e outra do Iraque. Eles querem o produto.”
Inicialmente, o açaizeiro era valorado economicamente por conta do palmito produzido a partir de sua palmeira. Por suas propriedades nutricionais e antioxidantes, o açaí foi se tornando popular como um “superalimento” para fazer sucos, vitaminas e sobremesas com granola e outras frutas.
A partir da década de 1990, a produção de frutos, que vinha quase que exclusivamente do extrativismo, passou a ser obtida de açaizais nativos manejados e de cultivos realizados em áreas de várzea e de terra firme, conforme relembra a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
A safra geralmente começa em agosto e vai até dezembro, tem seu ápice entre setembro e outubro. Além de seu uso gastronômico, o açaí também serve de insumo para a fabricação de cosméticos, como hidratantes e xampus, e suas sementes são reaproveitadas para fazer artesanato.
Os produtores locais sentem o aumento da demanda, o que coloca o açaí como um exemplo de “bioeconomia” que gera renda para os moradores da Amazônia sem desmatar a floresta.
Mas apesar de o ‘boom’ deste fruto no exterior ter beneficiado economicamente produtores tradicionais da Amazônia, o açaí ainda está longe de ser destaque nas exportações do Pará.
Quando considerados todos os produtos, os dados apontam que os paraenses venderam US$ 21,5 bilhões (R$ 108,6 bilhões) no ano passado, com destaque para minério de ferro (US$ 12,8 bilhões ou R$ 64,6 bilhões), soja (US$ 1,4 bilhão ou R$ 7,1 bilhões) e carne bovina (US$ 608 milhões ou R$ 3,1 bilhões).
Por outro lado, a exploração excessiva do produto já preocupa pesquisadores, que temem a concentração do cultivo de açaí e a substituição de outras espécies visando o aumento da demanda pelo produto.
Quem falou sobre isso à agência de notícias AFP foi o biólogo Madson Freitas, pesquisador no MPEG (Museu Paraense Emílio Goeldi) e coautor de um estudo sobre este fenômeno, chamado de “açaízação”.
“Naturalmente, o açaí atinge 50, 60, 100 touceiras [conjunto de ramos da planta] por hectare. Quando chega ao nível de 200 por hectare, a gente perde 60% da diversidade de outras espécies de plantas que naturalmente ocorrem na várzea”, diz o pesquisador.
A perda destas outras espécies vegetais também acaba tornando o açaí menos produtivo pela redução de polinizadores como abelhas, formigas e vespas. Já os períodos prolongados de seca, que podem se intensificar devido às mudanças climáticas, impactam o desenvolvimento dos frutos.
Freitas, que vem de uma comunidade quilombola no Pará, diz acreditar que reforçar as regras de preservação e a fiscalização pode ajudar a combater a monocultura. No entanto, é necessário oferecer incentivos aos produtores para que “mantenham a floresta em pé”.
Um exemplo positivo é o Manejaí (Centro de Referência em Manejo de Açaizais Nativos do Marajó), desenvolvido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que capacita produtores para preservar as demais espécies e, assim, aumentar a produtividade do açaí.
“Manejar o ambiente florestal, para transformá-lo em açaizal, quer dizer combinar os açaizeiros com as demais espécies vegetais existentes na floresta utilizando-se de técnicas, trabalho e consciência ecológica”, diz o guia para os produtores publicado pela entidade.
Segundo Santos, da Xingu Fruit, as próprias certificações internacionais já têm sido cada vez mais rigorosas para evitar a monocultura. “O açaí, para ter rentabilidade, precisa de diversidade. O nosso produto é orgânico, principalmente para exportação, e precisa da biodiversidade para ser melhor.”
– O assunto não é novidade. A grande surpresa está em que as ONGs biopiratas que infestam a Amazônia ainda não roubaram o açaí para implantarem em outros países, com outros nomes, como aconteceu com a seringueira (hoje a malásia é o maior produtor), o Cupuaçú (lembram do “Cupulate?), dentre outras espécies Amazônidas.