Mais uma vez o Senado tenta atropelar os direitos dos povos indígenas ao pautar o Projeto de Lei 2903, que tenta transformar o marco temporal em lei e busca legalizar crimes contra indígenas. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado vota, nesta quarta-feira (27), a partir das 10h (horário de Brasília), o PL, que foi nomeado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), como PL do Genocídio.
O projeto vai ser apreciado no mesmo dia que o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do Marco Temporal, previsto para iniciar às 14h. Os ministros e ministras irão debater as propostas sobre indenização, mineração e permuta de Terras Indígenas que surgiram nas sessões ao longo do julgamento.
Em sessão histórica na última quinta-feira (21), o STF formou maioria de votos para a derrubada da tese patrocinada pelo agronegócio, no Judiciário. Com votação de 9×2 contrários ao Marco Temporal, o Tribunal formou maioria e selou uma importante vitória na luta por direitos dos povos indígenas, mas as propostas apresentadas pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli serão discutidas somente nesta quarta-feira, dia 27.
No Senado a votação estava prevista para o dia 20 de setembro, mas a sessão foi marcada pela falta de diálogo. Lideranças foram impedidas de entrar no local e a CCJ rejeitou o pedido de audiência pública. Após pedido de vistas coletivo dos senadores, a votação foi adiada também para o dia 27 de setembro.
Para a Apib, a decisão do Senado é uma afronta ao Supremo, ao movimento indígena e à democracia. “O marco temporal foi derrubado no Supremo, mas a luta continua. A bancada ruralista do Senado está colocando seus interesses econômicos à frente das vidas indígenas e tentando aprovar o PL 2903 antes da finalização do julgamento do marco temporal no Supremo”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
Além disso, após a derrubada do marco temporal no STF, o senador Dr.Hiran (PP-RR) protocolou, no dia 22 de setembro, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pede a instituição do marco temporal. Nomeada como PEC 048/2023, a emenda quer alterar a Constituição Federal de 1988 que prevê o direito originário dos povos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas.
“O Supremo enterrou o Marco Temporal e o Senado tenta ressuscitar a tese com essa PEC 48. É uma movimentação que afronta a Constituição Federal e a democracia do Brasil. Os ruralistas tentam fazer dos direitos uma disputa em um cabo de guerra com o Supremo para tentar mostrar quem tem mais força. Seguiremos reforçando que direitos não se negociam e que as vidas indígenas não podem seguir sendo massacradas pelos interesses econômicos e políticos de quem quer que seja”, ressaltou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
A Apib ressalta que as atitudes do Senado são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso Nacional e do Executivo, possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas. Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).
Entenda o PL 2903
No dia 23 de agosto, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado aprovou o texto, que agora é analisado pela CCJ. Além do marco temporal, o PL 2903 (antigo PL 490) possui outros retrocessos para os direitos dos povos indígenas, aponta o departamento jurídico da Apib.
Segundo o jurídico, o PL propõe a construção de rodovias e hidrelétricas em territórios indígenas sem consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas e quer permitir que fazendeiros assinem contratos de produção com indígenas, o que viola o direito dos povos originários ao usufruto exclusivo dos territórios demarcados.
O Projeto de Lei também autoriza qualquer pessoa a questionar o processo demarcatório, inclusive de terras indígenas já demarcadas e favorece a grilagem de terras, pois reconhece títulos de terras que estão sob áreas de ocupação tradicional. Ele também ressuscita o regime do tutela e assimilacionismo, padrões superados pela Constituição de 1988, que negam a identidade dos indígenas e flexibiliza a política indigenista de não contato com povos em isolamento voluntário, além de reformular conceitos constitucionais como a tradicionalidade da ocupação, direito originário e usufruto exclusivo.