Foto: Ricardo Oliveira/ CENARIUM

Pesquisadores da Fiocruz investigaram a saúde de 295 Yanomami e constataram que todos eles, TODOS, estavam com verminoses. Cerca de 15% estavam com parasitose intestinal e malária ao mesmo tempo e os outros 85% foram diagnosticados com dois a seis tipos diferentes de parasitas.

Causadora da amebíase, Entamoeba histolytica foi detectada em 71% das amostras. Entre os sintomas dessa doença, estão febre, dor, diarreia e perda de peso. Já os vermes que provocam o amarelão e os Ascaris lumbricoides (as populares lombrigas) foram detectados em 20% dos indígenas. O amarelão causa diarreia e anemia crônicas e pode provocar danos até aos pulmões. A ascaridíase traz vômitos, dores e diarreia.

O trabalho de pesquisa começou em 2015,  dentro de um projeto maior de estudo da malária. Os indígenas testados para parasitos são da aldeia Marari, na fronteira com a Venezuela. Ou seja, essas amostras foram colhidas antes mesmo da revelação sobre a crise humanitária vivida pelo povo Yanomami. O quadro de penúria sanitária visto hoje e ampliado com a invasão do garimpo ilegal já estava desenhado anos atrás, sem que medidas efetivas fossem tomadas.

A coordenadora do estudo, Joseli Oliveira Ferreira, pesquisadora do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC, destacou que esses parasitos, ao provocarem diarreia e impedirem a absorção plena de nutrientes, agravam a desnutrição e aumentam o risco de morte de crianças. Só no ano passado, 99 crianças Yanomami morreram antes de completar cinco anos de idade.

De acordo com dados obtidos pela BBC por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), entre 2019 e 2022, 177 indígenas do povo Yanomami morreram por desnutrição, três vezes mais que nos quatro anos anteriores, quando foram registradas 41 mortes. O censo do IBGE divulgou, há 15 dias, que existem 27.144 Yanomami na Terra Indígena que é formada por parte do Amazonas e de Roraima.

É uma população que encolheu, já que no censo de 2010 foram identificados cerca de 30 mil Yanomami. Muito já se falou _ e se comprovou _ que, na gestão de Jair Bolsonaro, a qualidade de vida desses indígenas caiu vertiginosamente. O ex-presidente estimulou o garimpo, chegando a fazer um decreto liberando os garimpeiros para atuarem nas terras indígenas, e tirou o suporte de serviços públicos e de segurança das aldeias.

As verminoses que atacam os Yanomami já estavam lá, mas a situação se agrava com a contaminação dos rios  com os despejos de lama e mercúrio do garimpo ilegal. Até o começo da operação do governo Lula para desmontar a garimpagem, havia 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami.

“O governo Bolsonaro foi um incentivo deliberado de expropriação de riquezas e de destruição do meio ambiente”, afirma o médico e pesquisador da Fiocruz Paulo Cesar Basta. Ele foi um dos pesquisadores chamados pelo Senado para explicar a condição dramática do povo Yanomami. Em sua apresentação aos parlamentares, destacou que, em Roraima, de onde o Brasil viu cenas trágicas de crianças e idosos em extrema fragilidade, 89% das operações da Polícia Federal sobre crimes ambientais são de mineração ilegal. O mercúrio despejado por essa atividade nos rios é altamente tóxico.

Sem água potável e sem condições sanitárias, Basta explica que a medida de aplicar medicamentos contra verminoses é “verdadeiramente enxugar gelo”. “As fontes naturais de água são contaminadas pelo garimpo, que muda cursos de rios, provoca derramamento de lama e mercúrio, devasta as florestas”, afirma o médico em entrevista exclusiva a esta coluna.

Para ele, o resultado do estudo desenvolvido pela Fiocruz e outras instituições, com a disseminação de verminoses entre os Yanomami da aldeia Marari, não é diferente do que vive todo o povo dessa etnia. Ele aponta que essas verminoses podem ter influído na mortandade de crianças registrada em 2022.

Basta explica que as medidas emergenciais tomadas pelo governo Lula são importantes para debelar a crise sanitária na Terra Indígena Yanomami. Mas não são suficientes. É preciso criar políticas públicas de saneamento, com a construção de banheiros, a garantia de água potável, as medidas de recuperação ambiental, o recolhimento do lixo. Mas são programas “que devem ser concebidos com a participação das comunidades”, destaca ele.

“Os indígenas querem ser respeitados”, afirma Basta, que aponta a base do abandono dos povos indígenas: “A sociedade brasileira sempre deixou os povos indígenas viverem à margem. Isso tudo tem reflexo em como a sociedade se relaciona com os povos originários e, por conta desse movimento, o Estado nunca garantiu serviços públicos essenciais”. Já passou da hora disso mudar.

O estudo divulgado hoje pela coluna foi feito pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fiocruz, com outras instituições e seu resultado foi publicado na edição atual da revista científica Journal of Infection and Public Health. Ele pode ser conferido, em inglês, aqui.

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