Um relatório entregue pela Defensoria Pública da União (DPU), ao governo federal, mostrou que, até o momento, não há qualquer protocolo funcional junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes diagnosticados com intoxicação por mercúrio. A população Yanomami, em Roraima, passa por uma crise humanitária causada pela invasão do garimpo ilegal na terra indígena.
“Não há, atualmente, qualquer protocolo funcional junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) específico para notificação de casos de intoxicação por mercúrio derivados de garimpos ilegais de ouro na Amazônia, acarretando subnotificação dos casos e, em consequência, ausência de protocolos para identificação e tratamento dos afetados. Além disso, o estímulo político dos últimos anos e a ausência de fiscalização efetiva contribuíram para o aumento da ilegalidade e avanço do garimpo sobre novas áreas”, aponta o relatório.
Nos últimos quatro anos da gestão Bolsonaro, o Ministério da Saúde estima que, ao menos, 570 crianças Yanomami morreram por causas evitáveis (falta de tratamento médico e prevenção), na região, vítimas de desnutrição, malária, pneumonia e contaminação por mercúrio. Em 2022, foram 99 mortes de crianças.
De acordo com a Prefeitura de Boa Vista, até este sábado, 48 crianças Yanomami estão internadas no Hospital Infantil Santo Antônio, sete em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Em 2022, o hospital atendeu 703 internações de Yanomami. As principais causas de internações das crianças Yanomami são: doença diarreica aguda, gastroenterocolite aguda, desnutrição, desnutrição grave, pneumonia, picada de cobra e malária.
Observatório Garimpo e Efeitos
A DPU criou, em julho de 2022, o Observatório Nacional sobre Garimpo e Efeitos Socioambientais. Com vistorias e visitas técnicas que acontecem no âmbito do observatório, defensoras e defensores públicos federais estiveram em duas missões voltadas para a proteção dos povos Yanomami. (Veja o documento abaixo).
De acordo com o defensor público federal Ronaldo Neto, um dos objetivos do observatório é realizar a interlocução com instituições, sociedade civil e esferas de governo para promover a defesa dos direitos fundamentais das comunidades atingidas, direta e indiretamente, pelo garimpo.
“No primeiro momento, busca-se unificar a resposta da Defensoria Pública da União, abrindo-se um canal para recebimento de denúncias“, explicou. “Vamos estruturar as missões in loco nas áreas mais afetadas e articular, com o Poder Público local, as respostas de política pública. Também há a possibilidade de provocar o Poder Judiciário para que as vítimas do garimpo – aí entendidas as pessoas prejudicadas pela contaminação do meio ambiente – sejam devidamente indenizadas pelos causadores e por aqueles que tinham o dever de evitar a ocorrência“.
Monitoramento
Duas equipes da Defensoria Pública da União (DPU) estiveram no Amazonas e em Roraima, entre 24 e 31 de janeiro, com ações focadas nas condições de acesso à saúde e à água nas localidades. As missões foram planejadas antes do Ministério da Saúde decretar situação de emergência em saúde pública por conta da morte de crianças Yanomami por desnutrição, em Roraima.
Ao Ministério da Saúde, a DPU questionou a atuação na identificação, testagem e atendimento das populações expostas à contaminação mercurial. Documentos publicados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2020, detalharam a contaminação por mercúrio de integrantes dos povos Munduruku e Yanomami, região com grande quantidade de garimpos ilegais na Amazônia Legal.
A DPU questionou as medidas adotadas pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), como também informações sobre a existência de protocolos, visando a identificação e o tratamento dos contaminados e a capacidade das equipes de saúde locais na região amazônica para realizar o tratamento aos indígenas e outros povos tradicionais.
Contaminação por mercúrio
Na atuação, a DPU também oficiou os Ministérios de Minas e Energia (MME) e da Saúde em busca de informações sobre a atuação do governo brasileiro na região amazônica. A instituição questiona sobre a implementação da Convenção de Minamata, no Brasil, e o trabalho realizado na identificação e testagem das populações tradicionais expostas à contaminação de mercúrio pelas áreas de garimpo.
Os ofícios, assinados pelo então defensor público-geral federal Daniel de Macedo Alves Pereira, são desdobramentos do trabalho realizado pelo Observatório Nacional. A Convenção de Minamata prevê uma série de medidas a serem adotadas pelos países signatários, visando proteger a saúde humana e o meio ambiente da exposição ao mercúrio, em especial, o utilizado nas áreas de garimpo, já que para a produção de em torno de 10 gramas de ouro é despejado até 1 quilo de mercúrio no meio ambiente.
O mercúrio é considerado extremamente tóxico e nocivo à saúde humana e, dificilmente, é eliminado do ecossistema, podendo contaminar rios e outros animais em larga escala.