Nas primeiras horas após tomar posse, no dia 1º de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou uma série de decretos e medidas que retomam políticas públicas socioambientais e promovem mudanças na estrutura de governo, com a criação ou recriação de novos ministérios, reorganizações internas e redistribuição de competências. Com isso, ele avança em seu compromisso de fortalecer a proteção dos povos e comunidades tradicionais e combater o desmatamento e as mudanças climáticas.
Muitas das medidas estão apoiadas por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do “Pacote Verde”, as sete ações sobre meio ambiente que contestaram, na Corte, o desmonte das políticas socioambientais durante o governo Bolsonaro. O julgamento de uma das ações (ADPF 760), foi citado no relatório final do governo de transição como base para as mudanças anunciadas.
Confira o que foi feito em relação às políticas socioambientais:
Revisão do processo de autuação ambiental
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, revogou atos do governo anterior que colocavam entraves no julgamento de infrações ambientais autuadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em 2019, foi implementada uma nova fase de “conciliação” com o infrator, que, na prática, causava a paralisação do processo até que fosse realizada uma audiência, inviabilizando a tramitação de todo o processo. A medida de Salles levou o número de julgamentos do órgão a cair exponencialmente, de uma média de 5,3 mil anuais entre 2014 e 2018 para somente 17 em 2020.
Ainda foi resolvido um problema formal criado pelo ex-presidente do Ibama, que colocava sob risco de prescrição milhares de autos de infração lavrados pelo órgão.
Com a revisão feita pela nova ministra, fica determinado ainda que os autos de infração deverão ser públicos e disponibilizados na internet e que 50% dos valores arrecadados em multas deverão ser revertidos para o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
Restabelecimento do PPCDAm
Criado em 2004, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi o principal responsável pela redução do desmatamento no bioma em mais de 80% entre 2004 e 2012. Apesar de bem-sucedida, a política foi extinta pelo governo Bolsonaro, que elevou a derrubada da Amazônia em 59%, em comparação aos quatro anos anteriores.
Uma das ações do ‘Pacote Verde’ no STF é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, que pede a retomada e cumprimento urgentes do PPCDAm, além do fortalecimento dos órgãos socioambientais. Em voto histórico proferido em abril de 2022, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, acolheu as alegações e declarou a existência de um “estado de coisas inconstitucional”. O ISA é uma das organizações da sociedade civil responsáveis pela elaboração desta ADPF.
Agora, além de retomar o PPCDAm e também o PPCerrado, a norma publicada pelo governo Lula procura ampliar a política de controle ao desmatamento, estabelecendo, de forma inédita, planos específicos para os biomas Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Também institui a Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento, sublinhando a necessidade de se tratar desta questão de forma multidisciplinar, transversal e integrada. Dezessete ministérios, sob o comando da Casa Civil, participarão da implementação dos planos de ação.
Retomada do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional do Meio Ambiente
Paralisado no governo Bolsonaro, o Fundo Amazônia concentra mais de três bilhões de reais disponíveis para uso no combate ao desmatamento e crimes ambientais, além de projetos que incentivem a proteção da floresta. Os conselhos do Fundo foram restabelecidos, pois haviam sido extintos pela gestão anterior.
No caso do Fundo Nacional do Meio Ambiente, a participação social foi novamente contemplada, já que havia sido eliminada pelo governo Bolsonaro. A paralisação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional do Meio Ambiente também foi objeto de julgamento no Pacote Verde no STF (ADO 59 e ADPF 651, respectivamente).
Com a recomposição das estruturas de governança, países financiadores, como Noruega e Alemanha, sinalizaram novos aportes; enquanto novos parceiros, como Reino Unido, indicaram interesse em contribuir com a defesa ambiental no Brasil.
Restabelecimento do Conama
O presidente determinou que seja feita a revisão da composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente em até 45 dias.
Criado em 1981, o colegiado é responsável por assessorar e propor ao governo as políticas prioritárias na área ambiental e estabelecer normas e diretrizes técnicas, com efetiva participação de órgãos federais, estaduais e municipais, do setor privado e da sociedade civil.
No governo anterior, porém, o desmonte e a desestruturação do Conama deram maior poder de decisão ao governo federal e diminuíram a participação popular, o que foi considerado inconstitucional pelo STF (ADPF 623).
Revogação de decreto pró-garimpo
Assinado em fevereiro de 2022, o Decreto de nº 10.966, revogado pelo governo Lula, flexibilizava as leis de combate ao garimpo ilegal. Nele, foram criados o “Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala” e a “Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala”, que buscavam, na prática, estimular o garimpo ilegal, inclusive em Terras Indígenas e outras Áreas Protegidas.
Atividade comandada por esquemas milionários e com conexões com o crime organizado, o garimpo gera graves problemas humanitários e ambientais. Em 2020, os três povos indígenas mais afetados pelo garimpo no Brasil – Yanomami, Munduruku e Kayapó – formaram uma aliança para pressionar pelo fim das invasões.
Confira as principais mudanças socioambientais na estrutura do Governo Lula:
Criação do Ministério dos Povos Indígenas e retomada da Funai
Promessa de campanha, a oficialização do Ministério dos Povos Indígenas já é um marco histórico na política nacional. Comandada pela deputada federal Sonia Guajajara (Psol-SP), a pasta inclui em sua estrutura a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que foi renomeada e será presidida pela primeira vez por uma indígena, a deputada federal Joenia Wapichana (REDE-RR).
Além disso, a pasta recria órgãos extintos pelo governo Bolsonaro, como o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), colegiado que garante participação social na formulação de políticas públicas para os povos indígenas.
O ministério retomará a implementação de políticas paralisadas pela gestão anterior, como a demarcação e proteção de Terras Indígenas e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), um dos maiores avanços na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas.
Criação da Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal
O decreto que reestrutura o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) retira a Funai de sua estrutura, estabelece competência de apoio a conflitos envolvendo indígenas e cria a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal (PF).
A nova diretoria é responsável por dirigir, planejar, coordenar, controlar, executar e avaliar as atividades de prevenção e repressão das infrações penais contra o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural e os povos originários e comunidades tradicionais, bem como a segurança pública na região da Amazônia Legal e unidades operacionais e de gestão integrada brasileiras estabelecidas na Amazônia Legal.
Reestruturação do Ministério do Meio Ambiente
A pasta passa a se chamar Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, inserindo a pauta climática no centro da agenda socioambiental, e estará sob o comando de Marina Silva, deputada federal, ministra do Meio Ambiente nos primeiros governos Lula (2003-2008) e ex-senadora pelo Acre por dois mandatos, entre 1995 e 2011.
O decreto também reinsere o Serviço Florestal Brasileiro em sua estrutura e assume entre suas competências a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento de planejamento ambiental e combate ao desmatamento em propriedades rurais.
Além disso, a pasta vai tratar de agendas-chave para a questão ambiental, como a bioeconomia e uso sustentável de ecossistemas, e inserir o tema dos oceanos e gestão costeira na Secretaria Nacional de Mudança do Clima. Retornam, também, as agendas que envolvem povos e comunidades tradicionais.
Reorganização da governança sobre povos e territórios quilombolas
Sob comando da ministra Anielle Franco, o novo Ministério da Igualdade Racial será responsável por tratar de políticas relacionadas a quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.
Já o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar abrigará o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e será responsável pelo reconhecimento de territórios quilombolas e outros territórios tradicionais. O Ministério da Cultura, onde está localizada a Fundação Cultural Palmares, por sua vez, fica com a função de auxiliar as ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural das comunidades quilombolas.
Inclusão da transição energética na organização do MME
Ficou definida a inclusão da transição energética na antiga Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME). O órgão passa a se chamar Secretaria de Planejamento e Transição Energética e está prevista a criação de um departamento voltado exclusivamente para o tema.
Criação da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente na AGU
A Advocacia-Geral da União (AGU), agora comandada pelo ministro Jorge Messias, passará a contar, em sua estrutura, com a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, de acordo com o Decreto nº 11.328, assinado pelo presidente Lula.
A Procuradoria vai trabalhar de maneira transversal junto aos órgãos e as entidades da agenda ambiental e fortalecer a atuação dos órgãos jurídicos dedicados à temática para, de acordo com Messias, “encontrar novas soluções jurídicas que harmonizem as diferentes políticas setoriais com a política ambiental, para viabilizar as transformações necessárias à efetividade da transição ecológica”.