Acatando integralmente o pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin determinou que o governo federal tome todas as medidas necessárias para garantir a proteção da vida e dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato.
A decisão foi divulgada na quinta-feira, 24, pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), que apoiou com subsídios técnicos e jurídicos a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida pela Apib.
“Considera a ação um marco na defesa dos direitos desses grupos indígenas e também uma continuidade do trabalho do fundador da organização, o indigenista Bruno Pereira, assassinado em junho de 2022 no Vale do Javari”, destacou o Observatório em texto publicado no seu site oficial.
A ação elenca sete obrigações impostas à União, à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), todas acatadas por Fachin. O ministro considerou a legitimidade da ADPF 991, por estar embasada no cumprimento de política específica aos povos indígenas isolados e de recente contato.
“Pondero que este caso demonstra justamente que a separação entre os Poderes e a política democrática muitas vezes são invocados como escusas para impedir a atuação, em especial diante da inércia intencional e sistemática dos demais Poderes, de quem deve guardar a Constituição”, considerou Fachin.
Os povos indígenas isolados são aqueles que não mantém contatos intensos ou constantes com pessoas de fora de seus coletivos. Geralmente optam por viver longe da sociedade externa por terem sofrido perseguições e massacres durante os processos de ocupação e colonização na região amazônica.
Já os povos de recente contato são aqueles que mantém contato ocasional, intermitente ou permanente com segmentos da sociedade nacional, mas conservam significativa autonomia sociocultural.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, historicamente esses povos sofreram genocídio e etnocídio, estando sujeitos a vulnerabilidades que colocam em risco sua própria existência.
“Muitos territórios com a presença de isolados apresentam demora injustificada de demarcação, dependendo de atos administrativos precários como as portarias de restrição de uso, com breve validade. Do mesmo modo, as Bases e Frentes de Proteção Etnoambiental são ameaçadas cotidianamente pela presença dos mais variados invasores nos territórios indígenas, sendo eles: madeireiros, garimpeiros, pescadores, caçadores, narcotraficantes, missionários, latifundiários e grileiros”, destacou a Apib na ação judicial.
Decisão
Ao todo, no processo, foram deferidas sete medidas cautelares. O ministro Edson Fachin considerou que não estão sendo efetivamente realizadas as políticas públicas para a proteção dos povos indígenas.
“Compreendo cabível a provocação desta Corte como última trincheira de guarda desses direitos mais básicos a sobrevivência digna. Não se trata de usar o Poder Judiciário e o STF como espaço constituinte permanente, mas sim como um Poder que atua majoritariamente para a guarda da Constituição e a proteção de direitos fundamentais que vêm sendo sistematicamente violados pelos Poderes que lhes deveriam dar concretude”, escreveu em seu despacho.
Além de determinar que a União adote todas as medidas necessárias para garantir a proteção integral dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato, a decisão determina ainda que seja apresentado, no prazo de 60 dias, contados inclusive durante o recesso forense, um Plano de Ação para regularização e proteção das terras indígenas com presença de povos indígenas isolados e de recente contato.
Conjunto a apresentação do Plano, deverá ser comprovada a existência dos recursos necessários para a execução das tarefas descritas, principalmente as consideradas prioritárias e mais urgente.
A União também terá até 60 dias para emitir Portarias de Restrição de Uso para as referências de povos indígenas isolados que se encontram fora ou parcialmente fora de terras indígenas, bem como elaborar planos de proteção das referidas áreas, sob pena de, em não se cumprindo o prazo, o STF determine a Restrição de Uso por decisão judicial.
Estão obrigadas, conforme a decisão, União e Funai a manter a Portaria de Restrição de Uso nº 1.040, de 16 de outubro de 2015, do Grupo Indígena Tanaru até o final julgamento de mérito da arguição.
Ao CNJ, no âmbito do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, o ministro determinou a instalação de um Grupo de Trabalho, com prazo indeterminado, para acompanhamento continuo de ações judiciais relacionadas a efetivação dos direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.
Ainda conforme Fachin, deve ser reconhecida pelas autoridades a forma isolada de viver como declaração da livre autodeterminação dos povos indígenas isolados.
Por fim, o ministro estabeleceu no prazo de dez dias à União para prestar informações sobre a situação do indígena da etnia Tanaru, conhecido como ‘Índio do Buraco’, recentemente falecido em seu território. Devem ser disponibilizados documentos comprobatórios da perícia, a fim de comprovar os procedimentos utilizados e do resultado da autopsia realizada no cadáver do indígena, bem como a destinação que se pretende dar à Terra Indígena Tanaru.