Pedagoga por formação, especialista em psicopedagogia, Luciana Siqueira de Miranda esteve a frente da Secretaria Nacional de Atenção à Primeira Infância por dois anos e meio, logo após a criação da pasta. A Secretaria foi criada em maio de 2020, por meio de decreto assinado pelo então Ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. Em junho, após entrevista com o próprio Onyx, Luciana foi nomeada para cuidar das políticas educacionais da Primeira Infância – fase que compreende de 0 a 6 anos, e que é fundamental para o desenvolvimento humano, social, pedagógico e cultural de uma criança.
Pelo tempo em que ficou no cargo, Luciana conta que ajudou a integrar uma política forte de desenvolvimento desta pauta, e que o país deu passos largos para a solidificação de ações de apoio e incentivo aos pequenos brasileiros. Cursos, oficinas, palestras, capacitações, treinamentos que foram ministrados por todo o país, em todos os estados, segundo a profissional de educação, faziam parte de sua rotina. Esteve também a frente de um projeto de distribuição de cestas básicas ligado ao Auxílio-Brasil, e diz ter participado ativamente de audiências públicas e na elaboração de projetos que tramitam no Congresso Nacional para a implantação dessas políticas da Primeira Infância em larga escala.
Antes de assumir o desafio, Luciana morou em Roraima por muitos anos, onde fez carreira como especialista em educação infantil e consultora educacional. Teve quadros fixos em programas de rádio e tv em Boa Vista, onde dava dicas e orientações sobre educação infantil. Foi também professora universitária e seu currículo, segundo ela, foi tecnicamente determinante para a escolha de seu nome para lidar com este tema em caráter nacional.
Para Luciana, o trabalho ia bem, e as ações desenvolvidas naquela Secretaria seriam um legado permanente para o Brasil, a quem sempre se refere como servidora da pátria e da educação. Até que em 31 de outubro deste ano, um dia após o resultado das eleições, o cenário mudou completamente para a ex-secretária. Luciana foi acusada de ameaçar servidores subordinados em reunião com sua equipe, onde, segundo a denúncia, teria dito que sabia quem havia ou não votado em Bolsonaro, e que a “Justiça divina” seria providencial àqueles que não a acompanhassem na opinião política.
Ela nega todas as acusações e alega ter feito um desabafo com sua equipe, sem direcionamentos, no intuito de, enquanto cidadã, não permitir o desmonte do que havia sido conquistado por aquela equipe até então. Mas não foi dessa forma que Luciana foi interpretada. Servidores alegaram à imprensa que a então secretária teria reclamado da “falta de lealdade de integrantes da equipe”, teria equiparado o resultado à “traição de Judas”, que “quem vota em quem rouba não está com Deus”, e que “o inferno não vai vencer o céu”. As frases, que segundo Luciana foram tiradas de contexto, configurariam ainda intolerância religiosa contra ela, que é evangélica.
Após o episódio, Luciana disse ela própria ter pedido demissão do governo Federal. A exoneração foi publicada no Diário Oficial da União desta segunda-feira (21). Ela conversou com exclusividade com o portal Roraima1.
Roraima 1 – Como a senhora chegou ao cargo?
Luciana Siqueira – Convidada por capacidade técnica pelo então Ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. Aceitei por entender que poderia fazer a diferença na formação da sociedade.Cuidei dessa pauta com muito carinho, recebi essa missão. Desde a minha formação que eu estudo sobre o desenvolvimento humano. E eu sei que o segredo para a gente consertar um país, quebrar um ciclo de pobreza e dar oportunidade as crianças como elas merecem, a gente precisa investir nos primeiros anos de vida. Trabalhei por 2 anos e meio para que essa pauta fosse vista, e foram muitos os avanços neste tempo.
Roraima 1 – A senhora se excedeu em alguma colocação feita durante essa reunião com os servidores da secretaria que comandava?
Luciana Siqueira – Por ter um relacionamento com eles (servidores) aberto, não me achar melhor do que ninguém, acabei fazendo um desabafo de uma visão minha, pessoal, achando que eu tinha essa liberdade com uma equipe que estava trabalhando comigo havia dois anos e meio. Minhas falas foram completamente deturpadas. Eu não falei que sabia quem tinha votado em quem, ou que iria perseguir alguém, eu falei que sabia que ali também tinham pessoas que não tinham confiado em nosso trabalho, o que é normal. Não demiti ninguém, não transferi ninguém, apenas fui transparente e demonstrei minha tristeza (com o resultado das urnas) em um lugar em que me sentia segura. Foi uma fala minha, pessoal, enquanto cidadã. Disse que temia pela não-continuidade do nosso trabalho e que estava triste por isso. Não ofendi ninguém, não elevei a voz, dei espaço para todos falarem, e fui supreendida pela retaliação posterior. Eu ainda justifiquei que estava reunindo todos para informar que eu estaria ali só até 31 de dezembro, e que nós precisávamos concluir nossas ações, entregar a pasta para o próximo governo com tudo arrumado, e, enquanto cidadãos, nós precisávamos vigiar e cobrar a continuidade do trabalho desenvolvido até ali. Eu tenho minha consciência tranquila com relação a isso. Eu nunca desrespeitei nem assediei ninguém. Eu nunca nem perguntei em quem eles votavam.
Roraima 1 – A que a senhora atribui a denúncia?
Luciana Siqueira – Certamente por eu ser evangélica, a minha fé incomodou alguns. E esses alguns usaram todas as falas em que eu citei meu conhecimento pessoal sobre a bíblia, sobre Deus, e distorceu essas falas. Eu fiquei muito decepcionada e me senti traída. Diante de uma história de entrega e dedicação, por uma denúncia de uma pessoa leviana, que teve oportunidade de se colocar ainda na reunião mas não o fez. A gente tinha abertura para isso. Eu sempre fui aberta ao diálogo.
Roraima 1 – Houve alguma recomendação superior, em algum momento durante a sua gestão, para descobrir quais servidores votariam ou não em Bolsonaro ou em Lula?
Luciana Siqueira – Eu nunca recebi orientação para tratar ninguém diferente, muito pelo contrário. Eu tinha relacionamento direto com coordenadores de todos os estados, sejam grupos de direita ou esquerda, mas ali estávamos unidos em uma causa muito maior do que ideologias políticas. A nossa orientação a nível de governo era atender a todos com igualdade. Sempre atendi a todos que me procuraram de forma igualitária, independentemente de partidos ou lados políticos. Eu não assumi esse cargo para me servir do meu país, mas sim para servir ao meu país. E eu servi com muita honra. Saio deixando um legado de conhecimento, cuidado, proteção e estímulo.
Roraima 1 – Porque a senhora pediu demissão?
Luciana Siqueira – Porque não tinha mais clima para trabalhar com uma equipe que tanto confiei, que compartilhei tantos sonhos, que vestiu a camisa comigo, que puseram uma política educacional para acontecer com qualidade, que envolveu e impactou tantas vidas, ter a capacidade de distorcer minhas palavras, em um momento de tristeza meu, particular. Três dias após essa reunião começaram os ataques baixos, pelas redes sociais, de perfis falsos, com palavras de baixo calão, que eu me recuso a reproduzir. Não fui formalmente acusada de nada, nunca. Até hoje nunca fui notificada, não chegou nada para mim. E a proporção que isso tomou foi graças a uma imprensa nacional irresponsável que nunca me procurou para ouvir o meu lado. Hoje meu nome está na internet associado a coisas erradas, por uma imprensa sem compromisso com a verdade, baseado em aspas que pegaram de falas minhas, dando a conotação que bem quiseram. Leviandade é o nome disso. Se não fosse isso, eu teria ido até o dia 31 (de dezembro) com meu presidente. Porque se eu o admirava, dei meu voto na primeira eleição, agora que eu o conheço e sei de seu caráter, do homem íntegro que ele é, dei meu voto com muito mais certeza. Estou tranquila, estou em paz.