Foto: Silas Ismael.

Depois de passar por Colômbia, Peru e Bolívia, o venezuelano Magdiel León, de 30 anos, chegou ao Brasil, especificamente a Campo Grande (MS), por terra e com R$ 15 no bolso. Isso foi há dois meses e meio, numa quarta — e não se sabe se última — tentativa de ter acolhimento e uma vida digna fora do contexto de crise econômica e social de seu país de origem. Por aqui, somente na semana passada ele conseguiu sair de um abrigo e alugar um quarto por R$ 400 mensais, que paga fazendo bicos como pintor. Não sobra dinheiro para mais. Tem dia em que a refeição é apenas uma garrafa de refrigerante. Conseguiu acesso ao SUS, mas há dois meses espera a confirmação de uma consulta de oftalmologista. Mas ele está otimista e confia em ser, como muitos de seus compatriotas, incluído entre os beneficiários do Auxílio Brasil.

León integra o que é considerada uma terceira onda de imigrantes que vem chegando em massa ao Brasil, em condições precárias e enormes dificuldades. De uma população de 28,4 milhões de venezuelanos, 7,1 milhões já estão fora de seu país. O drama destes imigrantes e refugiados já supera os da Síria (6,6 milhões) e Ucrânia (6,8 milhões), de acordo com dados da Organização de Estados Americanos (OEA). Somente no Brasil, já estão mais de 365 mil venezuelanos, muitos atraídos pelos benefícios sociais. Cerca de 7.500 são indígenas.

No novo cenário deste grupo, a comida é escassa e a fome, fantasma permanente. Faltam também recursos para atender emergências de saúde, as primeiras semanas e meses são vividos em abrigos e nas ruas, e a prostituição se tornou alternativa comum — ou armadilha lançada por brasileiros que se aproveitam da fragilidade dos imigrantes.

— Tentaram me prostituir e fiz uma denúncia. Estão me ameaçando, mas não tenho medo — afirma León.

A grande maioria de imigrantes entra por Roraima, mas há venezuelanos vivendo em todos os estados do país, garante Maria Teresa Belandria, embaixadora do governo de Juan Guaidó no Brasil.

— Primeiro vieram profissionais. Nos últimos três anos os imigrantes passaram a ser pessoas com menos recursos, e no último ano entraram pessoas da Venezuela profunda, para as quais é mais difícil se integrar — explica Belandria.

A embaixadora afirma que famílias inteiras rumaram para o país. Por vezes, em etapas.

— Aqui a obtenção de documentos é mais fácil, os venezuelanos não se sentem ilegais — diz Belandria, citando o trabalho da Casa Civil e da Operação Acolhida (implementada pelo governo federal, Exército e ONGs internacionais como a Acnur).

O sonho de Curitiba

Se boa parte dos imigrantes está em Pacaraima e Boa Vista, em Roraima, Curitiba também é uma cidade bastante procurada e vem sendo chamada de “terra prometida”. Mas na capital do Paraná, sufoco e perrengues também são diários. É lá que vive a venezuela Rockmillys Basante, uma das fundadoras da ONG Irmandade Sem fronteiras. Ela, que ajuda diariamente dezenas de venezuelanos, encara também as adversidades. Rockmillys e o marido vivem com os três filhos da renda que ele tira como motorista de Uber, que é pouca.

— São tantas pessoas, tantas necessidades… Fazemos isso como voluntários, sem financiamento. Estou quase sem internet, alguns dias comemos arroz e feijão, mas seguimos na luta — diz a venezuela, que já teve de revirar o lixo para alimentar a família.

A ONG trabalha em parceria com o governo local para dar atenção aos imigrantes. Fim de semana passado, Rockmilys conheceu Maria de los Angeles Busto, mãe de apenas 22 anos, que precisa de ajuda para o tratamento da filha de 6 meses, que nasceu com síndrome de down, uma severa cardiopatia e hipertensão pulmonar. Com o marido, que trabalha de auxiliar numa empresa, Maria corre contra o tempo para salvar a bebê:

— Nos disseram que ela devia ser operada até os 6 meses, mas os médicos do SUS adiaram um exame muito importante e estamos angustiados, pedindo dinheiro emprestado para ter o atendimento numa clínica privada — explica a jovem venezuelana, que há um ano e oito meses, pouco antes de ficar grávida, chegou ao Brasil por terra e ainda carrega dívidas contraídas por sua família para financiar uma travessia perigosa — os que guiam os imigrantes até a fronteira cobram em torno de R$ 1.500 por pessoa. Se a criança não for operada rápido, suas chances de vida serão de no máximo cinco anos.

— Na Venezuela não teríamos nada, aqui estamos melhor, mas não é fácil — diz.

Mirta Carpio, em Campo Grande com o marido Rafael (veterinário e diretor da ONG Panthera Brasil), desde 2014 lidera a ONG Associação Venezuela. Ela reafirma o diagnóstico de Belandria sobre a vulnerabilidade em que chegam os novos imigrantes venezuelanos.

— As pessoas chegam a pé, passando fome, alguns com desnutrição. Sem ajuda estatal, fazemos o que podemos, mas nunca é suficiente. Nossa luta é conseguir mais doações, cestas básicas, porque cada dia são mais e mais. Muitas vezes ajudamos com dinheiro do nosso bolso — afirma Mirta.

Interiorização

A rede de ajuda oficial, que já interiorizou mais de 80 mil venezuelanos em estados brasileiros, não está dando conta da onda de imigrantes mais necessitada de todas as que deixaram o governo de Nicolás Maduro, no poder desde 2013. A crise venezuelana saiu da agenda de prioridades do governo brasileiro, mas a situação no país segue dramática. A economia venezuelana está praticamente dolarizada e, para as classes mais baixas, ficou praticamente impossível sobreviver em sua terra natal.

Os mais pobres abandonam a Venezuela por terra. Alguns dão sorte. O casal de venezuelanos Carlos Daniel e Fabiana, chegaram a Brasília há quase 3 anos, com uma filha pequena, deixando um salário que não chegava a R$ 100 mensais. Depois de chegarem por Roraima, passaram um tempo em Manaus e finalmente se mudaram para o Distrito Federal, onde Carlos Daniel, que esta semana representa a capital em um campeonato nacional de kung-fu, trabalha como administrativo numa empresa de máquinas agrícolas.

— A inflação é algo que atrapalha, mas aqui temos mais estabilidade. O Brasil é o país que melhor recebe os venezuelanos — diz Carlos Daniel.

Entre junho, julho e agosto, estima-se que 30 mil venezuelanos chegaram ao Brasil para ficar. A média diária está entre 300 e 500 pessoas. Com esperança e, em muitos casos, seguindo o exemplo de outros familiares, os venezuelanos encontram um Brasil que abre portas, mas no qual a fome voltou a ser um drama nacional, o SUS encolheu, e o mercado trabalho vive uma lenta recuperação. Comparado com outros países da região, e mesmo com a dificuldade da diferença linguística, o país ainda se apresenta com um dos mais atraentes. A tendência, dizem os que já estão por aqui, é que a onda siga crescendo.

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