O potencial de geração de novos negócios na Amazônia é proporcional aos desafios de se investir na região. Diante do recente avanço da violência e da expansão das organizações criminosas ligadas ao narcotráfico, o risco de operar no território tem crescido. Há casos de empresas que evitam entrar em regiões conflagradas pela presença de facções. E de outras que contratam segurança armada para tentar evitar ataques de piratas, especializados em roubo de cargas.
Um dos setores mais afetados pela escalada da criminalidade é o de combustíveis. As distribuidoras de gasolina e diesel têm sofrido saques, com requintes de violência, durante o transporte de suas cargas. Os criminosos chegam fortemente armados em grandes balsas, colocam-se ao lado da embarcação e invadem. Não só levam a mercadoria, mas atacam a tripulação com violência — há relatos de mutilação de orelha de um tripulante e estupro de cozinheiras.
Só neste ano, o setor de transporte fluvial de cargas no Amazonas já acumulou mais de R$ 20 milhões em perdas, segundo levantamento do Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas (Sindarma). Para garantir a segurança da carga e da tripulação e não interromper o transporte, as distribuidoras contratam seguranças com armamento pesado, com metralhadora e fuzil, para fazer frente às armas usadas pelos bandidos.
‘Toda semana tem roubo’
Madson Nóbrega, vice-presidente do Sindarma, afirma que a contratação da guarda encarece a carga em cerca de 2%. O custo extra, por enquanto, tem sido absorvido pelas distribuidoras.
“Tem outras consequências da pirataria que ninguém está vendo. Com a alta dos roubos, as seguradoras começaram a se negar a fazer o seguro da carga e o ambiental. Isso é essencial na nossa região, onde ocorrem multas, por exemplo, por derrame de combustível”, explicou Nóbrega.
Investigações apontam que o roubo de combustível está associado ao garimpo ilegal, em especial do ouro. A atividade exige um alto consumo dessa matéria-prima. Nóbrega critica a ineficiência das forças de segurança não só para combater, mas para investigar esses grupos. E diz que, em breve, o setor não mais poderá arcar com os prejuízos:
“Toda semana tem um roubo na região, especialmente de combustível. Mas não só. Outros segmentos também estão sendo atacados. Encontramos na guarda armada uma solução, mas paliativa”.
A cientista política Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, ressalta que o crime ambiental na região não é novo, mas que nos últimos anos se agravou com o aumento de armas de fogo em circulação e com a chegada de novos “atores”, que antes estavam concentrados nas zonas urbanas das cidades da Amazônia. A taxa de mortes violentas intencionais nos municípios da Região Amazônica chegou a 30,9 por grupo de 100 mil habitantes no último ano, 38,6% superior à média nacional.
“Quando pensamos em negócios em regiões remotas, em especial concessões de manejo de madeira, crédito de carbono, em que é preciso manter em segurança áreas muitos grandes, vemos não só empresas que saíram como aquelas que pensam duas vezes antes de entrar”, comentou Ilona.
Um documento recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Clima e Sociedade dá uma dimensão do vazio institucional na região. Em seis estados pesquisados, apenas 148 embarcações estão disponíveis à Polícia Militar e 34 à Polícia Civil, além de apenas quatro aviões e dois helicópteros, de acordo com o diagnóstico “Governança e capacidades institucionais da Amazônia”. Somadas, as polícias Civil e Militar do estado de São Paulo contam com 686 embarcações, quatro aviões e 28 helicópteros.
Enquanto o Brasil tem, em média, um policial civil responsável por cada 93 km², nos seis estados avaliados esse número sobe para 428 km², uma área quatro vezes maior, diz o documento. O mesmo ocorre em relação aos policiais militares. No conjunto dos seis estados da Amazônia, têm-se um total de 91 km² por policial militar, ao passo que no cenário nacional a razão é muito inferior, de apenas 21 km².
A ausência de forças de segurança, associada à carência de uma economia legal, é crucial para o domínio de facções criminosas em locais mais remotos da Amazônia. É o caso da região de Tabatinga, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, onde, em junho deste ano, foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips.
Empresário evita cidade
O empresário Denis Minev, presidente da Bemol, a maior varejista da Região Norte, presente em 70 cidades de Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima e com 4 mil colaboradores, conta que a companhia optou por não abrir uma unidade na cidade para não ter de enfrentar os problemas que vêm com o tráfico de drogas:
“A economia de Tabatinga está completamente contaminada pelo tráfico. Como não tem base econômica, é um ambiente fértil para qualquer atividade ilegal que aparece. A cidade tem condições de ter uma loja nossa, mas optamos por não entrar”.
O empresário diz não conhecer sequer um capitão que trabalhe transportando carga na região que nunca tenha sido assediado pelo crime organizado. Segundo ele, quando o barqueiro encosta no porto, já é abordado por um integrante para carregar droga na embarcação em troca de dinheiro.
“Não existe a possibilidade de não transportar. Ou você leva ou é morto junto com sua família”, contou.
Potenciais
Mais de 60% da Floresta Amazônica, que se estende por outros oito países da América do Sul, encontra-se no Brasil. A Bacia Amazônica gera até 20% de toda água doce do planeta, abriga 25% da biodiversidade terrestre e 10% de todas as espécies de vida selvagem do mundo.
O empresário Marcello Brito conhece bem seus potenciais. Ele já foi presidente da Agropalma, produtora de óleo de palma na floresta, e hoje dirige a CBKK, uma companhia que investe na cadeia de cacau e chocolate na Região Amazônica.
Na tentativa de atrair outras empresas para o território, Brito defende que, além dos riscos, são muitos os benefícios de se instalar ali. Na semana passada, esteve na Climate Week NYC, um evento que ocorre todos os anos em Nova York e reúne líderes internacionais de negócios, governo e sociedade civil para mostrar a ação climática global.
“O que tenho pregado é: no caso da Amazônia, além da análise de risco financeira e climática, cada empresa precisa avaliar como a falta de compliance e governança pode afetar o negócio. A única forma de sair disso é fazer também análise de benefício. Quais são as transformações ambientais e sociais, e quais são os ganhos?” questiona Brito, membro também do conselho da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e presidente da Associação Brasileira do Agronegócio.