Com as bandeiras do Brasil e de Roraima ao fundo, e os exemplares da Bíblia e da Constituição sobre mesa, o deputado estadual George Melo (Podemos) grava o vídeo em que critica o Jornal Nacional sobre reportagem que revela a contaminação de peixes nos rios do estado por mercúrio despejado pelo garimpo. De acordo com o parlamentar, a reportagem apresenta informações falsas e prejudiciais para o setor pesqueiro de Roraima.
De acordo com ele, matérias jornalísticas do tipo são influenciadas por ONGs e ambientalistas para prejudicar as atividades econômicas do estado. Por esse motivo, ele afirma que acionará judicialmente a Rede Globo por uma retratação. Ao fazer essa manifestação, George Melo tenta mostrar preocupação não somente com o mercado de peixes, mas com outro setor da economia com bastante influência política no estado: a extração de minérios.
A defesa do garimpo, por sinal, está entre as principais bandeiras de atuação em seu mandato na Assembleia Legislativa de Roraima. Em seus discursos, faz críticas à criminalização da atividade, acusa organizações não-governamentais e ambientalistas de atenderem apenas a interesses internacionais e apresenta propostas que tentam amenizar as pressões sobre o garimpo.
Bolsonarista declarado, o deputado é o autor do projeto de lei (PL 233/22) que desautoriza as forças policiais e órgãos ambientais do estado a destruir os maquinários apreendidos em operações de combate ao garimpo .
Em discurso no plenário da Assembleia, do dia 10 de maio, o parlamentar criticou a Comissão de Direitos Humanos do Senado por aprovar diligências na Terra Indígena Yanomami. A proposta dos senadores era acompanhar as investigações sobre denúncias do possível estupro de uma criança Yanomami por garimpeiros. O território é o mais ameaçado pela invasão do garimpo ilegal. Para o deputado, a iniciativa do Senado seria apenas para “reforçar uma mentira”.
Ainda no fim de maio, George Melo voltou a usar a tribuna para defender o garimpo, desta vez propondo a criação de uma área, dentro do estado, para a prática da atividade sem nenhum tipo de interferência das autoridades policiais. Para ele, caso a situação continue como está, Roraima pode ter um “derramamento de sangue” em confronto entre garimpeiros e a Polícia Federal.
“Há perigo de um derramamento de sangue no nosso Estado, com pais de família que nem sequer foram ouvidos. Quantos e quantos anos essa categoria dos garimpeiros vem sendo criminalizada neste país, especificamente aqui? O povo de Roraima já viveu momentos difíceis, quando tiraram as pessoas das áreas de fazendas, quando tiraram os arrozeiros demarcando terras indígenas. Agora, eles estão com a ideia de tirar 40 mil garimpeiros e deixar o povo voltar para a economia do contracheque”, declarou.
O deputado George Melo apresentou o PL 233 em 23 de maio deste ano. “Dispõe sobre a proibição aos Órgãos Ambientais de fiscalização e a Polícia Militar do Estado de Roraima de destruir e inutilizar bens particulares apreendidos nas operações/fiscalizações ambientais no Estado e dá outras providências”, diz a ementa da proposta.
De forma célere, pouco mais de um mês depois, o PL foi aprovado pelo plenário da Casa. Ainda de forma bastante rápida, o projeto foi sancionado pelo governador bolsonarista Antônio Denarium (PP), e a medida deixou de ser PL para se transformar na Lei Ordinária 1.701, de 5 de julho de 2022. Assim, os órgãos estaduais ficam proibidos de causar avarias nos maquinários dos garimpeiros.
À primeira vista, a lei parece ter pouca eficácia, já que grande parte do garimpo ilegal em Roraima acontece em terras indígenas, cuja atribuição de proteção é de responsabilidade de órgãos federais, como Polícia Federal, Ibama e a Fundação Nacional do Índio (FunaI).
Apesar de a legislação federal permitir a destruição de equipamentos durante as operações ambientais, a prática é rejeitada pelo governo Jair Bolsonaro (PL), que persegue os servidores que ainda persistem em destruir balsinhas, dragas, tratores, motosserras e caminhões de tora em operações na Amazônia.
Se no plano nacional o governo Bolsonaro não conseguiu revogar o decreto que permite a destruição destes equipamentos, caso sua retirada da área onde o crime ambiental é praticado seja inviável, nos estados da região, parlamentares como George Melo apresentam e fazem aprovar tais medidas. Mesmo com a pouca ou nenhuma eficácia da medida, ela é bem recebida por um setor da economia local que envolve tantos interesses – e pessoas (eleitores).
Como o próprio parlamentar quantifica, são mais de 40 mil pessoas em Roraima vivendo do garimpo. O número é suficiente para eleger ao menos oito deputados estaduais das 24 cadeiras na Assembleia Legislativa. Os votos apenas de todos estes garimpeiros também assegura a eleição de pelo menos dois dos oito parlamentares que o estado tem assento na Câmara em Brasília. Nas eleições de 2018, o candidato a deputado federal mais bem votado recebeu pouco mais de 14,7 mil votos.
George Melo concorre pela quarta vez para a Assembleia. Em 2018, não conseguiu votação suficiente, ficando como primeiro suplente. Assumiu uma vaga em fevereiro deste ano após o antigo ocupante da cadeira, Jalser Renier, ser cassado pelos próprios parlamentares após denúncia de chefiar uma milícia em Roraima.
Antes da Assembleia, George Melo tinha sido vereador em Boa Vista por três vezes. Ao voltar ao parlamento estadual, em meio ao ambiente político local de força e resistência do bolsonarismo, Melo não mediu esforços em fazer a defesa do garimpo. Para conseguir a reeleição, busca agregar os votos dos mais de 40 mil roraimenses dependentes da regularização da atividade garimpeira. x
O que diz George Melo
Procurado por ((o)) eco para falar por qual motivo dedica o mandato em defesa dos garimpeiros, o deputado George Melo afirmou que o Brasil e Roraima têm uma dívida histórica com eles. De acordo com o parlamentar, foram os garimpeiros os responsáveis por definir as fronteiras do extremo norte do país, impedindo que os ingleses avançassem até as margens do rio Branco, manancial que banha a capital Boa Vista. Roraima está na fronteira com a Guiana Inglesa.
De acordo com ele, a dívida do Brasil com os garimpeiros estaria no mesmo nível da com os povos indígenas e os descendentes dos escravos africanos.
“Nós temos uma dívida com o garimpo no país, não é só Roraima. Nós temos uma forte relação com os garimpeiros. Nós tínhamos uma dívida histórica com os quilombolas, foi reparada. Com os indígenas, foi reparada. Por que não reparar também essa dívida com os garimpeiros? Legalizar esses garimpos, que esses garimpos tragam riqueza para seus estados”, declarou ele,
À reportagem, o candidato repetiu o discurso de que a criminalização do garimpo na Amazônia é patrocinada por grandes potências da mineração, como Estados Unidos e Canadá, para impedir que o Brasil seja tão competitivo quanto eles. Para isso, completa, usam ONGs de atuação ambiental para travar o avanço do garimpo.
“As leis ambientais que nos são colocadas é para vivermos como miseráveis. Isso nós não vamos aceitar. Esse debate eu estou trazendo para dentro da Assembleia. A Assembleia e o povo de Roraima estão assimilando este debate. Este é um debate que será muito bem aceito pelo povo da Amazônia.”
Segundo Melo, assim como ele tem uma atuação clara em defesa do garimpo, há colegas seus dentro da Assembleia de Roraima que exercem o mandato em prol das organizações ambientalistas. “Aqui dentro também tem parlamentar que é financiado por ONGs”, declara, sem citar nomes.