O Senado retomou nesta terça-feira (28) o debate sobre o projeto de lei que obriga planos de saúde a cobrirem tratamentos não previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A proposta determina que a cobertura dos serviços pelos planos de saúde seguirá a lista atualizada a cada nova inclusão de procedimento.
A Câmara dos Deputados já havia aprovado o projeto em 3 de agosto de 2022. A aprovação do texto do deputado Hiran Gonçalves (PP-RR) foi comemorada por deputados da oposição, governo e famílias que acompanhavam a sessão no plenário.
Já no início da sessão de hoje, o relator do PL 2.033/2022, senador Romário (PL-RJ) e outros senadores manifestaram apoio à proposta, enquanto que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e representantes da ANS alertaram para o risco da nova lei ameaçar a “sustentabilidade” das empresas que operam os planos de saúde.
O projeto dá à lista de procedimentos cobertos pelos planos de saúde um caráter exemplificativo, e não taxativo, como defendem essas empresas. Para as associações ligadas a pacientes que utilizam remédios e procedimentos ainda não incorporados à lista, a adoção do rol taxativo significa deixar os doentes sem tratamento.
Romário sinalizou que apresentará parecer favorável ao texto já aprovado pela Câmara dos Deputados. A expectativa, segundo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é que o projeto seja votado até o final do mês.
“Não podemos negar a essas pessoas o direito de uma existência digna e com menos sofrimento. Muitos brasileiros e brasileiras pagam caro por planos de saúde para garantir o melhor tratamento a suas famílias”, disse Romário.
Vidas em risco
Diretora do Mães de Movimento pelo Autismo, Letícia Amaral argumentou que o projeto assegura a incorporação de tratamentos e medicamentos comprovadamente eficazes. Ela apontou que o rol taxativo acaba por limitar o acesso a medicamentos e defendeu a aprovação do texto que veio da Câmara sem mudanças.
“Não pode a norma ser tão detalhadamente específica, principalmente quando a lei é voltada para uma situação dinâmica. Estamos falando de saúde. A ciência da saúde se modifica em ritmo veloz, mas quem tem que dizer não será o legislador, mas a comunidade científica. O texto não abre brecha para charlatanismo. Dá apenas aos pacientes o direito de lutarem por suas vidas. O PL não é uma carta branca para qualquer medicamento. O rol taxativo mata”, disse Letícia Amaral.
A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) reforçou o apelo de pacientes e familiares de pessoas com deficiência e doenças raras.
“Defendo o caráter exemplificativo. O rol taxativo coloca em risco milhares de brasileiros e brasileiras. É um drama o que vivem inúmeras famílias de pessoas com deficiência, doenças degenerativas e raras que precisam lutar na justiça para tratamentos que não constam no rol da ANS”, disse a senadora.
Comprovação científica
Marcelo Queiroga apontou riscos para a sustentabilidade financeira dos planos de saúde em caso de aprovação do projeto e afirmou que a ANS é ágil na incorporação de tecnologias e novos tratamentos. Ele defendeu o rol taxativo como forma de assegurar a incorporação de medicamentos e terapias com comprovação científica. O ministro da Saúde afirmou ainda que a atual redação do projeto pode encarecer os planos de saúde.
“A legislação já traz de maneira muito clara um processo para incorporação de tecnologias no âmbito da saúde suplementar, com previsibilidade e critérios claros, e que permite segurança e equidade nas incorporações de tecnologias em saúde. […] O objetivo é ampliar o acesso, mas [é preciso] ampliar o acesso com qualidade. Se não houver essa avaliação, será automaticamente repassado para os beneficiários da saúde complementar os custos da incorporação”, declarou.
Assim como Queiroga, Vera Valenta, da Federação Nacional de Saúde Suplementar, disse que as mudanças previstas no projeto podem inviabilizar o setor de saúde privada. Ela afirmou que a incorporação de novas tecnologias hoje considera a eficácia dos tratamentos e segue procedimentos criteriosos.
“Os recursos são finitos, por isso decidir sobre a natureza do rol é decidir sobre a própria existência dos planos. A ampliação de procedimento é desejável, mas é exatamente por isso que existe um processo de avaliação de tecnologias”, disse Vera Valenta.
Complexidade
Autor do requerimento para realização do debate, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, destacou a complexidade do tema:
“O tema é uma questão candente do debate público brasileiro. Opõe dois valores caros ao ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, temos o direito à saúde, direito universal previsto no art. 196 da Constituição. Segundo, temos os inúmeros dispositivos que defendem a livre iniciativa e a regulação eficiente da atividade econômica do setor privado, que é o provedor dos serviços de saúde suplementar”, assinalou.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) disse temer que a aprovação do texto se torne um “tiro no pé”. Ele afirmou que defende a ampliação do acesso, mas manifestou preocupação com uma possível elevação dos preços dos planos de saúde.
“Só um monstro ficaria contra fazer o tratamento chegar a quem precisa. Quero que essa lei ajude a fazer o bem. Tenho medo de que ela não cumpra esse objetivo. Quero que todos tenham acesso. O grande problema é: qual é a melhor forma?”, ponderou.
Rol taxativo
Os deputados aprovaram a proposta no começo de junho, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir que o rol de procedimentos e eventos em saúde tem caráter taxativo, não apenas exemplificativo — assim, as operadoras de saúde estariam desobrigadas de cobrir tratamentos não previstos na lista, salvo algumas situações excepcionais. Se o texto for aprovado sem mudanças pelos senadores, ele seguirá para a sanção.