Em mais um episódio misterioso na Amazônia, quatro mineiros brasileiros e um venezuelano foram executados na fronteira da Venezuela com o Brasil entre 6 e 7 de agosto. Um helicóptero ligado ao garimpo ilegal fez o “traslado” dos corpos do território venezuelano para o brasileiro.
As vítimas foram deixadas em uma área desabitada da cidade de Iracema, a 93 quilômetros da capital do estado, Roraima. Imagens gravadas por garimpeiros da região mostraram a decolagem do helicóptero em território venezuelano e a chegada em solo brasileiro.
Na última sexta-feira (12), o Instituto Médico Legal (IML) de Boa Vista identificou as pessoas: os brasileiros Francisco Pereira, 42 anos; Raimundo Charles da Conceição Pereira, 40 anos, que são irmãos; Dilviane Nunes da Silva, 35 anos, que seria a cozinheira do grupo; João Barbosa da Silva, 57 anos; e o venezuelano Oswaldo José Figuera Suarez, de 31 anos. A perícia do IML apontou que as mortes foram causadas por “projéteis disparados por arma de fogo”.
Segundo Antônio Eduardo Cerqueira, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a atividade do garimpo ilegal tem impactado toda a região amazônica. Além das comunidades indígenas, cada vez mais afetadas, ele afirma que os próprios garimpeiros têm colocado suas vidas em risco a partir de disputas entre facções, inclusive lideradas pelo narcotráfico.
Sobre o crime, o especialista diz que não há indícios de uma suposta repreensão à atividade ilegal do garimpo, que se estende do Brasil até a Venezuela e o Peru.
“O que ocorreu se dá pelo aspecto dessas disputas entre garimpeiros, policiais e narcotráfico. É uma atividade ilegal que está expondo a vida das pessoas. A atividade tem impactado diretamente o meio ambiente, os recursos hídricos, as florestas, os territórios indígenas e a vida das pessoas”, explicou Cerqueira, em entrevista à Sputnik Brasil.
O agente voluntário da Comissão Pastoral da Terra e professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir) Afonso M. das Chagas explicou que o garimpo ilegal está expandindo por todas as regiões da Amazônia. Em avaliação, é possível dizer que antes havia algum tipo de controle, principalmente a partir das denúncias de organizações não governamentais.
“Hoje, quem denuncia é retaliado, perseguido e silenciado. Além deste fato, há uma ação de consórcio da ilegalidade entre mineração, desmatamento/extração e tráfego de madeira e apropriação ilícita de terras públicas e áreas protegidas. Em regiões de fronteira, agrega-se a este conjunto de ilegalidades o tráfico de drogas e armas, que muitas vezes opera sem nenhum tipo de repressão e controle estatal”.
Para o integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) — órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) —, a situação demonstra não apenas a irresponsabilidade e a perda de controle da região, como a falta de fiscalização do governo, colaborando com o incentivo à atividade.
“O caso tem a ver com o incentivo maior do governo. Segundo relatos da própria associação dos garimpeiros, naquela região, existem mais de 30 mil garimpeiros. Então, o número aumentou significativamente”, alertou Antônio Eduardo Cerqueira.
De acordo com o especialista, “não houve participação de indígenas nas mortes”. Ele acredita que as mortes são consequência das disputas entre os diferentes segmentos do garimpo ilegal, justamente em terras indígenas.
Tratando da ausência de Estado na região, Afonso M. das Chagas relembrou os casos “de invasão das mineradoras no território Yanomami, e mesmo o caso evidenciado de atividades ligadas ao narcotráfico, mineração ilegal, pesca ilegal e extração ilegal de madeiras, no Vale do Javari, no Amazonas. Sabe-se que, inclusive em terras indígenas com registros de índios isolados, há requerimentos para mineração na Agência Nacional de Mineração”.
O especialista entende que a situação tem uma relação com “esta lógica predatória que se implantou na Amazônia, a partir de 2018”. Citando o “desmonte e sucateamento das ações institucionais de controle”, permitiram a intensificação e o avanço de práticas predatórias.
Ao analisar o crime, Antônio Eduardo Cerqueira apontou que “os corpos foram localizados por indígenas, que estão assombrados com o aumento avassalador do número de garimpeiros” na fronteira do Brasil com a Venezuela e com o Peru, em meio às ações do narcotráfico.
“É uma situação muito perigosa, totalmente cruel, violenta, não só para os povos indígenas, mas também para os garimpeiros, e demonstra a irresponsabilidade do governo com relação ao trato da questão. O atual governo incentiva o garimpo, incentiva as invasões dos territórios, e o resultado que vemos é mais essa tragédia na região. Lembremos a situação do Bruno e do Dom, e agora vem mais essa tragédia. Infelizmente, tem essa ligação direta com a ação do governo”, afirmou Cerqueira.