A espera para entrar no avião que levou dezenas de pessoas refugiadas e migrantes de Boa Vista ao Rio de Janeiro, no início de junho, estava quase terminando, e Diego, 10 anos, sorria com os irmãos ao pensar na viagem. “Será que vamos conseguir olhar as nuvens?”, questionou o pequeno venezuelano solicitante do reconhecimento da condição de refugiado no Brasil.
A mãe dele, Greimar Marin, se diverte com a ansiedade do filho enquanto pega as passagens da família. Ela chegou ao país com os quatro filhos, caminhando por trilhas entre Santa Elena de Uairén e Pacaraima, e passou os últimos oito meses em Boa Vista, capital do estado de Roraima, vivendo em um abrigo da Operação Acolhida – resposta governamental ao fluxo de pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela para o Brasil.
“Foi muito difícil, mas agora o olhar está no futuro”, diz Greimar.
A família foi realocada voluntariamente na modalidade institucional de interiorização, com apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Por meio desta modalidade, as pessoas são transferidas de Boa Vista para centros de acolhimento e integração temporários em outras cidades do país, onde ficam por cerca de três meses, preparando-se para a inserção econômica e social na nova cidade de morada.
De abril de 2018 até maio deste ano, mais de 76 mil pessoas se beneficiaram da estratégia de interiorização, sendo realocadas para 844 municípios em busca de um novo futuro no Brasil. A interiorização institucional foi responsável até agora por cerca de 13,5 mil desses processos em 159 municípios de destino.
“No Rio de Janeiro, quero ter um trabalho, de forma que possa dar um futuro aos meus filhos em uma cidade que parece ter tantas oportunidades”, completa Greimar, que era comerciante na Venezuela, sobre a capital fluminense. A cidade do Rio já recebeu 1.620 pessoas refugiadas e migrantes desde o início da operação.
Ao promover a ida a outros estados brasileiros, a interiorização diminui a pressão sobre serviços públicos em Roraima, porta de entrada para a maioria das pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela, e facilita sua inclusão socioeconômica no Brasil. Nesse processo, o ACNUR oferece apoio tanto no pré-embarque quanto na cidade de destino, e promove a articulação entre diferentes setores para facilitar a integração.
“Em 20 de junho, celebramos o Dia Mundial do Refugiado, com foco no direito que essa população tem de buscar proteção. Seja aonde for, na fronteira ou no interior do país de acolhida, as pessoas forçadas a se deslocar devem ser bem-vindas, sem discriminação e com base em um tratamento humanizado. Com apoio do ACNUR, de seus parceiros e da população local, as pessoas refugiadas e migrantes podem acessar serviços e oportunidades para reconstruírem a vida com suas famílias”, afirma o representante do ACNUR no Brasil, Jose Egas.
Interiorizados e adaptados
Longe do Rio de Janeiro, o venezuelano Enmanuel Matute, 31 anos, conduz uma estamparia e uma empresa de reformas, negócios próprios que abriu na cidade de São Sebastião, região administrativa de Brasília (no Distrito Federal). Ele foi interiorizado para lá no final de 2018, dois meses após chegar em Boa Vista (RR) em busca de um recomeço no Brasil.
Hoje ele é parte da população venezuelana interiorizada para a capital do país (cerca de 1,9 mil pessoas), que é uma das 10 cidades que mais recebe pessoas refugiadas e migrantes beneficiadas pela estratégia de interiorização do Governo Federal.
“Fui recebido da melhor forma, tirei todos os meus documentos no primeiro dia, fui encaminhado para o albergue com todas as refeições. Em seguida, fui interiorizado pela Operação Acolhida, em parceria com a Cáritas, com aluguel pago por três meses, com apoio para conseguir o primeiro emprego e todo o suporte possível”, relata.
Além de tocar seus próprios negócios, Enmanuel doa seu tempo para participar da iniciativa de Proteção de Base Comunitária promovida pelo ACNUR em São Sebastião, onde é apontado como uma das lideranças locais. “De alguma forma, quero trabalhar para produzir e crescer profissionalmente, mas também quero muito devolver um pouco para que as pessoas se sintam acolhidas como eu me senti”, resume.
Na região nordeste do país, a cerca de 2.200 quilômetros de Brasília, a cidade de Conde, na Região Metropolitana de João Pessoa, Paraíba, já recebeu 364 pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela desde o início da estratégia de interiorização. Entre elas, está a assistente administrativa Yannelis Barreto, 27 anos, que atualmente trabalha na acolhida de pessoas refugiadas como ela.
Formada em Contabilidade, Yannelis chegou ao Brasil sozinha em 2018 e morou por sete meses em Boa Vista, com familiares, vivendo de diárias como faxineira e garçonete. Com a falta de perspectiva de um emprego formal, ela decidiu se cadastrar para o processo de interiorização e foi chamada para morar na Casa do Migrante, centro de acolhida gerido pelo Serviço Pastoral dos Migrantes, onde ela trabalha desde 2020.
Yannelis conta que usa a experiência como refugiada para ajudar tanto os recém-chegados a ter esperança, como a equipe da Casa do Migrante a melhorar procedimentos. “Eu me emociono, porque eu conheço o processo para chegar até aqui, e hoje eu faço parte do mesmo processo que me acolheu. Uma vez eu fui acolhida, e hoje sou uma pessoa que acolhe”, relata ela.
Modalidades de interiorização
Além da modalidade institucional, a interiorização também pode ser feita por reunificação familiar, reunião social e vaga de emprego sinalizada. A reunião social é a que representa a maior parte dos deslocamentos (46%), e consiste na união de beneficiários a pessoas com quem possuam vínculo de amizade ou afetividade, ou a familiares cujo vínculo não possa ser comprovado por meio de documentação.
O ACNUR apoia todas as modalidades de interiorização e atua em todas as suas fases, seja antes da partida, durante a viagem e mesmo no destino final. Para saber mais sobre a estratégia de interiorização, acesse o site do ACNUR e o painel interativo com dados.
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