Reconhecido internacionalmente por sua luta pelos direitos do povo Ianomâmi, Davi Kopenawa não vê motivos para comemorar os 30 anos da demarcação da maior terra indígena do país daqui a um mês e diz que este é o pior momento para os 30 mil yanomamis que vivem nas comunidades invadidas em Roraima, onde há, segundo ele, muito mais garimpeiros. “Dentro e fora de nossas terras, há mais de 100 mil garimpeiros”, diz o líder indígena, que acusa o presidente Jair Bolsonaro de incentivar a atividade ilegal.
De São Paulo, onde está para acompanhar a exposição do amigo fotógrafo Sebastião Salgado sobre a Amazônia, Kopenawa afirmou ao jornal O Globo que a floresta conhecida como “pulmão do mundo” está destruída pelo garimpo e faz um apelo ao Supremo Tribunal Federal (STF) para retirar os garimpeiros que levam terror aos seus parentes, com doenças, abusos sexuais contra crianças e mulheres, além de aliciar jovens com bebidas alcoólicas. “As autoridades precisam de coragem”, diz.
Presidente da Hutukara Associação Yanomami e prestes a completar 66 anos, Kopenawa se diz preocupado, mas confiante na salvação da Floresta Amazônica. “Existe solução e ela passa por nós indígenas, mas agora o pulmão do mundo está estragado. Essa é minha luta”, diz o autor de A Queda do Céu, com o antropólogo francês Bruce Albert, ao revelar não se sentir confortável na cidade por sua segurança. “Garimpeiros têm raiva de mim”.
Confira os principais trechos da entrevista:
O senhor ajudou a denunciar à ONU, em 1992, o massacre de Haximu, quando 12 ianomâmis foram mortos por garimpeiros. Depois disso a Terra Indígena Yanomami foi homologada, isso melhorou a vida do seu povo?
De lá pra cá melhorou um pouquinho, mas invasores retornaram com o garimpo forte desde 2016 e agora então aumentou muito o número dos garimpeiros na área indígena e também na cidade. Agora em 2022 tem muita gente envolvida, autoridades, grandes empresários dão apoio a garimpeiros para continuar trabalhando em terra ianomâmi e autoridades brasileiras não estão preocupadas com a gente. Nem Funai e nem governo, pelo contrário, querem tirar o ouro da terra ianomâmi.
Há denúncias de abuso contra crianças e mulheres em território Ianomâmi. Como as lideranças estão lidando com essa situação?
Garimpeiros que estão na terra ianomâmi não levam a mulher deles para usar lá. Como eles não levam mulher, então eles abusam de nossas índias, estuprando, levando doença, sempre levam doença. Isso é muito ruim para mim, pois aumentou a invasão do garimpo. Hoje é o mais grave momento do povo ianomâmi e com o aumento do número de garimpeiros já existem 50 mil garimpeiros, quem compra ouro, alimenta o garimpeiro, dentro e fora da cidade, nas minhas contas dão mais de 100 mil garimpeiros nesse processo. Estamos sempre denunciando para que as autoridades nos escutem, mas estão nos ignorando. Eu gostaria muito que as autoridades pensassem em fazer uma grande reunião entre eles Funai, Polícia Federal, Ministério da Justiça, Ibama, Exército, Ministério do Meio Ambiente e do da Defesa. Esse é o papel deles. Decidir para tomar as providências urgente, junto com o governo federal, que tem dever de resolver esse problema, urgente. Ano passado já pedimos várias vezes para todos eles. Falei com delegado da PF e outros agentes e todos me falaram que é muito difícil para tirar os garimpeiros por que nossa terra é muito grande. Eles já estão acostumados a se esconder e fugir na floresta.
Há grande número de crianças desnutridas nas aldeias, o povo ianomâmi está passando fome?
Na minha comunidade não estão passando fome, porque não deixamos o garimpo chegar por lá, mas onde há garimpo, há fome. Estamos passando mal de fome e isso não é culpa dos ianomâmi, não é culpa minha, os garimpeiros estão nos jogando uns contra os outros. Não temos mais água limpa, não tem mais peixe e por isso que nós parentes de Roraima que moram na fronteira (Venezuela), nos rios Uraricoera, Palimiú, Mucajaí, Apiaú, são hoje rios sujos, contaminados, eles não têm peixe. Ali que está acontecendo de entrar a fome, garimpeiro que está causando isso ali, destruindo enquanto vê os ianomâmis morrer de fome. E como não tem comida na comunidade, eles (indígenas) acabam se aproximando do garimpo, e o garimpeiro aproveita para enganar eles, se alimentar, vai sustentar, ficam mentindo, ianomâmi que está próximo a garimpo não pode mais pescar, não pode mais caçar e não pode mais fazer um roçado. Eles estão doentes, de malária e outras doenças que entraram, como o coronavírus, piorou muito. Jovem ianomâmi hoje está enganado, eles estão enganando eles. A maioria está lutando, nos unimos, mas os jovens que estão com o garimpo estão envolvidos por dinheiro de nada, por bebida alcoólica, jovem não vai ganhar importante nada, só vai ganhar uma doença. Essa é a minha fala.
O senhor está acompanhando uma exposição sobre a Amazônia, como vê o futuro dela? Há solução?
A solução passa por nós indígenas. Pensando com meu povo ianomâmi, junto com os pajés de outras etnias, é muito bonito, é muito bonito essa Floresta Amazônica. Ela é mesmo o pulmão da Terra, pulmão do planeta, para nós todos. Mas agora o pulmão está destruído, está estragado. Para mim, para meu povo e para o amanhã dos brancos. É muito importante saberem que é a floresta que é a responsável por trazer a saúde, a alegria, o viver bem, a água limpa. O importante não é continuar mais a destruir. Vou repetir. Não continuem destruindo. Autoridades, atenção, retirem os invasores, esse é meu pensamento , essa é minha luta.Vai ser difícil, vai. Está sendo muito, mas nós vamos acabar conseguindo salvar a Amazônia. Não é só índio que está lutando, mas estamos juntos com os povos da cidade, pois o povo da cidade precisa da Floresta Amazônica, por que ela é importante para todos os povos, para que ele (planeta Terra) não aqueça demais ou não fique debaixo da água. Vamos salvar o direto à vida. Esse é meu sonho, vou continuar lutando.
Acredita no Brasil? Qual o seu maior sonho?
O Brasil é meu. O Brasil que meu povo cuidou, que há 500 anos passados foi cuidado pelo meu povo e pelos povos indígenas que resistiram até hoje. O Brasil é nossa terra mãe. Meu sonho é o nosso sonho. Não só para os povos ianomâmis, mas sim para todos os povos, para você branco, não é só indígena, os povos do planeta podem ter sonhos diferentes, mas nós do povo ianomâmi, nós vamos continuar a lutar e defender a nossa terra mãe. Do outro lado, o povo da mercadoria, eles vão continuar a lutar para não deixar resolver esse problema. O meu sonho e do nosso povo nós vamos interagir com a natureza, para não deixar isso acontecer. E o sonho de vocês é ficar brigando, jogando bombas por causa da terra, o sonho de vocês é só dinheiro, vocês brancos só brigam por causa do dinheiro, eu brigo pelo que é fundamental: a terra, onde nasce a comida, onde cria a caça e tudo o que a natureza pode oferecer. Vocês sonham dinheiro, não é preservação da terra, não é preservação da água, não é preservação da floresta. Eu estou brigando com homem branco por terra.
Com tantas denúncias e ameaças dentro e fora da cidade, como é a vida fora da floresta? Sente-se ameaçado?
Não tenho medo. Homem da floresta não tem medo. Homem da floresta tem medo apenas de grandes empresários que estão querendo colocar grandes máquinas na nossa terra indígena, essa máquina vai destruir tudo, acabar com a floresta, com os rios, nossa saúde, é disso que tenho medo, poluir rios, acabar com nossos rios. Dessa destruição eu tenho medo de máquina, agora de homem que venha me matar , matar meu povo, matar dentro de mim, eu não sou ladrão, eu não estou roubando a minha própria terra. Eu ando tranquilo só dentro da Terra Yanomami. Cidade não, cidade é muito perigoso para mim. Tem muita gente ligado aos invasores garimpeiros, fazendeiros, grileiros , que querem usar a nossa terra, ficam com raiva de mim. Então cidade não é mesmo segura para mim, eu ando com muito cuidado. Somente dentro da floresta, onde tenho minha segurança, lá sou protegido. Eu estou aqui para defender o meu povo ianomâmi. Agora, eu tenho medo de morrer de bala, porque bala é ferro. Eu tenho medo de arma de fogo. Lá na floresta é protegido para mim, com os guerreiros da floresta, os guerreiros do pajé e do xamã, eles me protegem. Agora cidade não, cidade é perigosa.
Acha que as autoridades conhecem de verdade o drama dos povos indígenas?
Mais ou menos. Muito pouco. É muito mais ou menos. Os ministros do tribunal (STF) tinham que conhecer nossa realidade antes de julgá-la. Eles precisam reconhecer primeiro. Vai ter que ir nas comunidades indígenas, venham na minha casa, para saber da importância do que eles vão resolver no tribunal. Isso é papel deles, o papel que eles têm e precisam exercer. Eles têm a responsabilidade de cuidar e proteger os indígenas do Brasil. Eu convido eles, precisam ter coragem, conhecer a realidade do meu povo ianomâmi. Marco temporal tem que morrer. Por que é perigoso, ele estava escondido, agora que ele voltou para mexer com nós. Isso significa roubar as terras homologadas , tem que respeitar, como o governo federal homologou , não pode mexer mais.
Já buscou ajuda do presidente para debater a crise do povo ianomâmi?
Não convidaria o Bolsonaro para ir à terra ianomâmi. Não convidaria, eu convidaria um homem bom e honesto, que pensa bem. Aquele que conhece as montanhas, a floresta. Se fosse assim, eu convidaria. Ele está deixando a nossa vida doente, entrando garimpeiros, armas de fogo, então não vou convidar ele, não. Não vou ficar atrás dele. É o pior governo de todos os tempos. Ele tem ditadura militar que matou meu povo brasileiro e lembro disso quando eu era pequeno. O povo da cidade elegeu ele, muito ruim para os povos indígenas, ele é contra os povos da floresta, da terra, dos rios, os outros governos ainda respeitaram um pouquinho, agora esse aí, esse do Jair Bolsonaro, é muito pior que outros governos, quer acabar com os índios, quer acabar com o planeta, terra , rio, acabar com a gente. Awei!
Procurada, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República não quis comentar as afirmações do líder indígena. O espaço segue aberto a manifestações.