O efeito da alta dos combustíveis não vai se restringir às bombas dos postos de gasolina ou às prateleiras dos supermercados, inflacionadas com o custo do transporte. A conta de luz também vai subir.
O governo e os órgãos do setor elétrico ainda fazem as contas, uma equação complicada devido à volatilidade diária que domina os preços dentro e fora do Brasil, mas o fato é que o preço do óleo diesel subiu e esse repasse acaba sendo inevitável, para bancar as operações de usinas térmicas movidas a óleo diesel.
Essas usinas, que são as mais caras de todas as fontes de geração, já foram acionadas à exaustão até o fim do ano passado, por causa da crise hídrica. Com as chuvas de verão, parte delas foi desligada, mas ainda assim há centenas que seguem em operação, por dois motivos. O primeiro é que essa geração ajuda a preservar os reservatórios das hidrelétricas, para que atravessem o próximo o período seco com água. O segundo é que as térmicas a óleo são, basicamente, a única fonte de energia elétrica em centenas de municípios do Brasil que ainda não estão conectados ao sistema nacional de transmissão de energia.
Seja qual for o motivo de acionamento dessas usinas a óleo, quem paga mais essa conta é o consumidor. Cada centavo gasto por essas térmicas é bancado por um encargo embutido na conta de luz, a chamada “Conta de Consumo de Combustíveis” (CCC). No fim do ano passado, já se previa que as despesas com esse encargo subiriam 21% neste ano, chegando a R$ 10,3 bilhões, justamente por conta do aumento dos preços dos combustíveis. Agora, em decorrência da guerra entre Rússia e Ucrânia e as dificuldades de se prever os impactos nos preços dos combustíveis, não se sabe exatamente onde isso vai parar.
Distribuidoras pedem revisão
O Estadão apurou que, desde a semana passada, as principais distribuidoras de energia da região Norte, onde funciona a maioria das usinas térmicas, passaram a fazer contas e procuraram a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para tratar do assunto. Tome-se como exemplo o caso de Boa Vista. A capital de Roraima, que é a única do País que não está interligada ao sistema interligado nacional, depende completamente de usinas a óleo diesel. Por dia, são consumidos mais de 1,05 milhão de litros de óleo diesel para abastecer a cidade e sua região.
“O reflexo imediato na alta do diesel é basicamente o aumento do preço médio da energia, o que impacta sobremaneira a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), haja vista que o custo acima da cobertura tarifária é totalmente coberto via reembolso pelo encargo”, afirmou a distribuidora Roraima Energia.
A Amazonas Energia declarou que “os limites de preço para os insumos de geração dos sistemas isolados são definidos pela regulamentação” do setor. Por isso, tem tratado do tema com os agentes públicos que fiscalizam o setor elétrico.
Na semana passada, o Ministério de Minas e Energia criou um “comitê de monitoramento do suprimento nacional de combustíveis e biocombustíveis”, para monitorar e propor medidas sobre os impactos no mercado doméstico. No dia 11, o governo zerou tributos federais para óleo diesel, entre outros combustíveis, e mudou a cobrança do ICMS, com a adoção de uma alíquota uniforme, mas a definição desta alíquota ainda depende de acertos entre os Estados.
“É claro que qualquer aumento na conta de luz é relevante e essa situação terá impacto, mas não vejo uma perspectiva de que ocorra um aumento enorme”, afirmou o especialista Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. “Hoje, a maior dificuldade do setor é ter que lidar com essa volatilidade dos preços de forma constante.”
A reportagem questionou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável pela gestão diária de energia elétrica no País. O órgão afirmou que “vem acompanhando os desdobramentos do conflito (entre Rússia e Ucrânia) e monitorando a situação com atenção”. Já a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que “a estimativa de impacto na Conta de Consumo de Combustíveis está sendo avaliada” pela gestora desse encargo, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), a qual não se manifestou sobre o assunto.
Óleo diesel ilumina 165 regiões desplugadas do sistema nacional
Alternativa mais poluidora e cara de todo o setor elétrico, podendo custar mais de dez vezes o preço de um mesmo watt produzido por uma eólica, a geração por usina a óleo diesel ainda é parte indispensável para manter o abastecimento de centenas de municípios.
O Brasil possui, atualmente, 165 sistemas isolados de distribuição elétrica, os quais abastecem centenas de cidades localizadas, principalmente, nas regiões Norte e Centro-Oeste, nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Mato Grosso. O cenário inclui ainda a ilha de Fernando de Noronha, que pertence a Pernambuco. Em comum, todas essas áreas lidam com o fato de dependerem do óleo diesel e se caracterizarem pelo grande número de usinas de pequeno porte, além da dificuldade de logística para o abastecimento.
Os dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que o Amazonas, dada a sua dimensão e dificuldade logística, é o que mais concentra municípios desplugados da rede de transmissão nacional. São 95 sistemas isolados de redes para abastecer o Estado. Roraima vem em segundo lugar, com 29 regiões desconectadas, além de sua capital, Boa Vista.
Até dezembro, o ONS prevê que 11 dos 165 sistemas isolados sejam interligados à malha nacional de transmissão de energia. Isso permite que as regiões recebam geração de outros locais e, assim, diminuam a dependência total das usinas movidas a óleo.