O ministro Kassio Nunes Marques é relator de três ações que questionam, no STF (Supremo Tribunal Federal), autorizações concedidas pelo governo Jair Bolsonaro para o garimpo na Amazônia. As concessões, dadas pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional) são questionadas no tribunal por tratarem de áreas vizinhas ou até no interior de terras indígenas e unidades de conservação ambiental.
Os processos chegaram ao STF em dezembro, após o jornal Folha de S.Paulo revelar que o GSI liberou sete projetos de pesquisa de ouro em uma região amazônica quase intocada. No final do ano passado, o general Augusto Heleno, chefe da pasta, cancelou as sete autorizações citadas pelo jornal. As ações no Supremo, porém, citam outras 11 concessões que também teriam sido irregulares e continuam valendo.
Das ações que correm na Corte, duas foram movidas por partidos (Rede e PV) e outra pelo deputado Elias Vaz (PSB-GO) e o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO). As decisões questionadas pelas legendas atingem especialmente partes do município de São Gabriel da Cachoeira (AM), fronteira com a Colômbia, na região chamada de “cabeça de cachorro”.
A região tem seis terras indígenas estabelecidas, que juntas abrigam mais de 30 mil pessoas. Apenas a maior delas, a terra indígena Alto Rio Negro, é moradia de 23 povos indígenas, dos quais três são isolados.
Heleno deu as autorizações na condição de secretário-executivo do Conselho de Defesa Nacional, um órgão que aconselha o presidente da República em assuntos de soberania nacional e defesa. O ministro é responsável por liberar, ou não, projetos de mineração na faixa de fronteira, que tem 150 km de largura.
Após virem a público as primeiras notícias sobre as autorizações concedidas pelo GSI, Heleno defendeu suas decisões por meio do Twitter. O ministro, um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou na publicação que o governo continuará “a mapear nossas riquezas pelo bem do Brasil e do nosso povo.
Após a medida, Heleno foi criticado por políticos da oposição, como o presidenciável Ciro Gomes (PDT-CE), que o chamou de “Napoleão de hospício,” e o deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), que fez uma representação ao MPF (Ministério Público Federal).
Menos de três semanas depois, Heleno anulou as sete autorizações citadas pela Folha. O recuo ocorreu após a abertura de uma apuração preliminar, pelo MPF, e por ofícios enviados ao GSI pela ANM (Agência Nacional de Mineração), pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade).
Ameaças
A ação movida pela Rede, primeira a chegar ao STF, trata apenas das sete autorizações que foram, posteriormente, revogadas pelo GSI. O partido também pede, contudo, a derrubada de uma resolução da ANM que facilita novos pedidos de extração mineral. A decisão sobre essa norma caberá a Nunes Marques.
Já os outros dois processos, de autoria do PV e de parlamentares, questionam outras autorizações, além das que já foram canceladas. A legenda trata de 8 avais à mineração na região da Cabeça do Cachorro, das quais 4 continuam em vigor. Já o pedido de Vaz e Kajuru citam 16 concessões que, segundo eles, estão dentro de terras indígenas na região, às margens do rio Negro. Nove destes pedidos continuam vigentes.
No caso de terras indígenas, o governo não tem autonomia para liberar pesquisas de ouro ou outros minérios. Conforme determina a Constituição, é de competência exclusiva do Congresso autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais.
O UOL questionou ao GSI se reconhece irregularidades nas concessões apontadas pelos partidos e que ainda não foram revogadas. A assessoria do ministério confirmou o recebimento do pedido, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. Se houver resposta, o texto será atualizado.
Até o momento, Nunes Marques atuou em poucos casos no STF envolvendo garimpo e mineração. Em dois deles, alinhou-se aos colegas de plenário em decisões unânimes, que tomaram medidas protetivas para o meio ambiente.
O primeiro destes processos foi julgado em abril do ano passado, quando a Corte anulou regras que afrouxavam o licenciamento ambiental para a mineração em Santa Catarina. No segundo caso, em setembro, o plenário derrubou uma lei de Roraima que liberava o uso de mercúrio no garimpo.
Nunes Marques foi o primeiro ministro a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo, e assumiu a vaga na Corte em novembro de 2020. Depois dele, o presidente indicou André Mendonça, que foi empossado em dezembro passado.
A tendência é que Nunes Marques só tome uma decisão sobre os processos a partir de 31 de janeiro, com a volta do recesso no tribunal. Em dezembro, o ministro foi um dos que informaram ao presidente da Corte, Luiz Fux, que não pretendiam trabalhar durante as férias.