O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou, nesta sexta-feira (3), a pedido do Ministério Público Federal de Roraima (MPF-RR),a retirada de garimpeiros da terra indígena Yanomami a partir da adoção imediata de plano emergencial para conter o avanço do coronavírus na terra indígena.
A União, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) tem até 5 dias para apresentar um cronograma do plano emergencial e até 10 dias para começar a executá-lo, garantindo a sua execução durante todo o período da pandemia.
A decisão foi assinada pelo desembargador federal Jirair Aram Meguerian em uma ação civil pública que deferiu, em parte, um pedido de tutela de urgência do MPF, para impor obrigações, solidariamente, à União, à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O desembargador não nega a adoção de ações por parte dos órgãos, mas reconhece que as medidas até então implementadas têm sido insuficientes e inefetivas à tutela da TI Yanomami e da população indígena em questão.“(…) além da TIY não ter sido inserida, até 4/6/2020, como alvo prioritário do Grupo de Combate ao Desmatamento da Amazônia, no planejamento anual de 2020, há aparente contradição quando afirma, ao final, que será incluído como prioritário no mês de julho, quando os requeridos afirmam que as ações do PNAPA (Plano Anual de Proteção Ambiental), na região, ocorreriam no mês de junho”, afirmou o desembargador, na decisão.
Para o procurador da República Alisson Marugal, que atuou na ação na 1a instância, documentos juntados ao processo e as próprias informações dos órgãos envolvidos evidenciaram amplamente a presença de milhares de garimpeiros no território (mais de 20 mil mineradores ilegais contra uma população de cerca de 26,7 mil indígenas Yanomami) e a necessidade de ações mais efetivas.
Para o MPF, os povos da TI Yanomami são vítimas da omissão estatal na contenção de garimpeiros desde a década de 1970. Em 1985, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos expediu a Recomendação 12/85, na qual recomendou ao estado brasileiro a adoção de “medidas sanitárias de caráter preventivo e curativo a fim de proteger a vida e a saúde dos índios expostos a adquirir enfermidades infectocontagiosas”. Passados 35 anos desde a recomendação, conforme sustenta o MPF, persiste a mora do Poder Público em instalar e operar, de modo contínuo, uma rede de proteção e monitoramento territorial hábil a inibir a ação de garimpeiros na região, em face do consenso internacional de que à TI é devida especial atenção estatal.
Risco de extermínio
A maior Terra Indígena do país tem registro da presença de índios isolados e é assolada, historicamente, pela atuação de garimpeiros ilegais. Mesmo em meio à pandemia, as atividades de mineradores continuaram a se expandir, e o MPF, órgãos da imprensa e associações indígenas têm alertado para o que pode ser mais uma “tragédia anunciada”. Entre as solicitações do plano emergencial de ações, está o monitoramento territorial efetivo da TI Yanomami com o intuito de combater ilícitos ambientais, além da retirada de garimpeiros da região, que tem sido o principal vetor de disseminação da doença.
Dados divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) evidenciam o forte crescimento do número de evidências de garimpo ilegal na TI Yanomami a partir do mês de fevereiro de 2020, o que além das graves implicações ambientais e de segurança, acentua o risco de transmissão comunitária da nova doença, dada a maior vulnerabilidade biológica dessas populações, em especial às infecções respiratórias, situação reconhecida pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde.
“Há perigo concreto de morte de mais indígenas por dupla ameaça: a invasão de garimpeiros na terra indígena e a pandemia do coronavírus. Essa decisão obriga o governo a sair de sua inércia e salvar muitas vidas do povo Yanomami e de outros povos que habitam a região”, disse o procurador Regional da República Felício Pontes.
A questão sanitária dos Yanomami ganhou repercussão na imprensa internacional, como o periódico The New York Times, que recentemente relatou o caso do adolescente Alvaney Xirixana, a primeira vítima com óbito decorrente da covid-19. A presença de povos isolados, como os Moxihatëtea, torna o caso em questão ainda mais preocupante, tendo em vista sua maior fragilidade social e imunológica. Conforme alerta o MPF, o contágio desses grupos com a nova doença pode causar seu extermínio.
Veja as medidas que devem ser contempladas no plano emergencial:
– Fixação de equipes interinstitucionais formadas por forças de comando para a contenção dos ilícitos em pontos estratégicos onde há garimpo na TI – como fiscais do Ibama, do ICMBio, Força Nacional, militares das Forças Armadas e das Polícias Militares Ambientais, Policiais Federais e servidores da Funai;
– Efetivo suficiente e adequado para ações estratégicas repressivas e investigativas;
– Disponibilização de meios materiais essenciais (alimentos, insumos, serviços e equipamentos);
– Apresentação de relatórios quinzenais que comprovem o cumprimento da liminar;
– Garantia de imediata retirada de todos os garimpeiros não indígenas e seu não retorno, mantendo-se a presença estatal de forma permanente durante todo período em que reconhecida a pandemia da covid-19; e
– Medidas para não agravar o risco de contaminação na TI, de forma que as equipes designadas para execução do plano adotem medidas sanitárias rígidas de prevenção, como quarentena prévia e não aproximação de populações indígenas.
Entre as solicitações do MPF atendidas pela determinação judicial está também a suspensão da operação de todos os postos de compra de ouro vinculados a Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários – DTVMs e de todos os estabelecimentos comerciais de compra e venda de ouro em operação em Roraima, durante todo o período da pandemia, uma vez que não se trata de atividade essencial.
A União fica obrigada ainda a promover a coordenação para mobilizar as forças de comando e controle de diferentes ministérios (Ministério da Justiça, Ministério da Defesa, Ministério do Meio Ambiente) para apoio ao exercício de poder de polícia necessário à implantação do plano; a viabilizar os meios de pessoal e orçamentários necessários; e promover ainda o acompanhamento da execução do plano, entre outras imposições.