A mestra Koko Meriná Eremu, uma das anciãs mais ativas da cultura Macuxi, está contaminada por covid-19. No domingo (16), ela foi removida às pressas da comunidade do Maturuca, na Terra Indígena Raposa do Sol, para receber tratamento no Hospital Geral de Roraima (HGR).
Por conta da superlotação no HGR, Vó Bernaldina José Pedro – como é conhecida a anciã indígena – teve que esperar dois dias para ser internada, respirando com bastante desconforto nos corredores do hospital.
Apenas na manhã de domingo, com ajuda do Conselho Indígena de Roraima e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Leste (Dsei-Leste), foi realizado o prontuário médico de Bernaldina, que passou a ter acesso remoto a medicamentos e respiradores.
“O estômago dela dói enquanto tosse, está gemendo de dor. Ela tira catarro com sangue quando tosse”, conta o filho Charles Gabriel, que a acompanha no hospital e também contraiu a doença: “Estou também com essa maldita”, revela o indígena.
Assim como Bernardina, Gabriel vem tomando doses de azitromicina na tentativa de conter o agravamento da enfermidade.
Com poucos leitos públicos disponíveis no estado, Jaider Esbell, artista macuxi e outro filho da anciã, vem tentando articular uma transferência de Bernardina para um hospital particular. A procura por leitos em hospitais privados tem sido uma das últimas alternativas para aqueles que têm familiares com quadros graves da covid-19, em Roraima.
Para conseguir o dinheiro da transferência, os filhos da anciã angariam apoio na internet por meio de uma vaquinha, também voltada para a compra de balões de oxigênio, remédios, roupas e itens de higiene pessoal.
“Estamos com a campanha aberta para conseguir colocá-la em um hospital particular e para manter regularmente a medicação e esses exames, que a gente não sabe qual é ainda e se o hospital vai conseguir fornecer”, alerta Esbell.
Em 2018, a “vó” ficou conhecida internacionalmente quando foi recebida no Vaticano pelo Papa Francisco. Na ocasião, ela e seu filho Esbell foram apresentar a espiritualidade e a visão indígena da etnia macuxi em relação ao “grande mundo”. No fim do ano passado, ela pisou pela primeira vez em São Paulo (SP), trazendo a defumação do “maruai” e um pouco da espiritualidade usada na luta política de seu povo.
Vírus chegou a Raposa Serra do sol
O contágio da Vó Bernaldina é mais uma confirmação de que o vírus vem atingindo com velocidade a Raposa Serra do Sol, que está entre os cinco territórios indígenas mais vulneráveis ao vírus, segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA) e o Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), apresentado em abril.
Em março, 18 das 85 comunidades indígenas que compõem o território bloquearam o acesso às aldeias como forma de prevenção a chegada do vírus. Na época, não havia nenhum caso notificado na região. Hoje, a situação é bem diferente.
“Tem vários casos. Ontem morreu uma liderança, o Dionito José de Souza, um dos coordenadores do Conselho Indígena de Roraima. Tem vários casos, especialmente nas comunidades da região da serra”, revela Esbell.
A morte foi divulgada pelo próprio Conselho Indígena de Roraima (CIR) na terça-feira (16). Vice-tuxaua da região das Serras, Dionito coordenava mais de 72 comunidades e foi um dos protagonistas da expulsão de não-índios da região. Diabético, o líder vinha tentando tratar o problema respiratório por meio de plantas medicinais, com base na tradição indígena. Assim como Bernaldina, ele também vivia na Maturuca.
A área da Raposa Serra do Sol, marcada pelo avanço de grileiros e do garimpo, foi reconhecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1993, e homologada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005. Anos mais tarde, o STF reconheceu a demarcação da terra e determinou a retirada de invasores do local. A partir de então, garimpeiros e arrozeiros, com apoio do governo de Roraima, pressionam para que a demarcação seja revista.
“Nós tiramos os garimpeiros da Raposa Serra do Sol. Eu andava de noite, tirando minhas unhas porque eu queria minha terra. Nossa terra é nossa mãe. Se eu não tiver terra, como é que faz? Não têm nada. Não tem aonde a gente plantar”, afirmou a “Vó” na visita a capital paulista.
No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentou reverter a demarcação do território de 1,7 milhão de hectares, afirmando que “é a área mais rica do mundo” e que era necessário explorar de forma racional “dando royalties e integrando o índio à sociedade”. Juristas, porém, consideram a revisão inconstitucional.
“A nossa reserva eles querem tomar de novo, eles querem voltar de novo atrás do garimpo, do mineral. A gente escuta os pistoleiros do Bolsonaro falar, mas com arma a gente não fala, a arma é nossa língua, nosso braço”, denunciou Bernaldina na ocasião.
Estima-se que existam 140 aldeias Macuxi no Brasil e uma população de aproximadamente 50 mil pessoas. A área da Raposa Serra do Sol é a mais populosa e concentra 20% da população total da etnia. De acordo com dados da Secretaria e Distrito Sanitário Especial Indígena (Sesai), existem 70.596 indígenas em Roraima, vivendo em mais de 342 comunidades.
Deixe o contato da família Mucuxi para que possamos ajudar na vaquinha. Obrigada!