A Hutukara Associação Yanomami e o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) solicitaram nesta terça-feira (16) que a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), oriente o governo brasileiro a fazer a retirada de todos os garimpeiros que operam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. As entidades pedem ação do governo a fim de tentar impedir a disseminação do novo coronavírus.
Os yanomamis calculam que há mais de 20 mil garimpeiros dentro da terra indígena, que já sofre os efeitos da pandemia. Até maio, a Covid-19 já havia matado um adolescente yanomami e contaminado outros cinco indígenas dentro do território. Logo depois, uma rede de pesquisadores e apoiadores divulgou em 8 de junho que já haviam sido registrados quatro mortes e 82 casos dentro da terra indígena, considerada uma das mais vulneráveis no país para o alastramento da doença.
O eventual descumprimento, pelo governo brasileiro, de uma liminar concedida pela CIDH não tem efeito jurídico direto, mas sim diplomático e econômico, além de possibilitar a abertura de uma ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em São José, na Costa Rica.
Órgão autônomo da OEA (Organização dos Estados Americanos), a CIDH supervisiona o cumprimento da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que entrou em vigor em 1978 e foi ratificada em setembro de 1997 por 25 países, incluindo o Brasil. A Convenção estabelece os direitos humanos que os países se comprometem a respeitar e dar garantias de cumprimento. A CIDH tem o poder, entre outros, de requerer aos Estados-membros que adotem “medidas cautelares” a fim de evitar danos graves e irreparáveis aos direitos humanos em situações urgentes. Por fim, pode também solicitar “medidas provisionais” à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Nos últimos anos organizações do Brasil fizeram vários pedidos à CIDH por supostas violações de direitos humanos, incluindo as decorrentes da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, inaugurada pela presidente Dilma Rousseff em 2016. Desde o começo do governo Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, já foram apresentados pelo menos três pedidos à CIDH.
A solicitação dos yanomamis é subscrita pelo vice-presidente da Hutukara, Dario Kopenawa, que é filho do líder yanomami Davi Kopenawa, e pelo presidente do CNDH, o defensor público da União Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira. O CNDH é vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves. Em fevereiro passado, uma articulação política entre a ministra e o procurador-geral da República, Augusto Aras, tentou eleger para a presidência um nome ligado à direita, mas foi impedida após uma reação dos mais de 20 membros que integram o CNDH e que elegeram Oliveira para o cargo.
A Terra Indígena Yanomami, a maior do país em extensão, com 9,6 milhões de hectares, quase do tamanho de Portugal, é habitada por cerca de 26 mil indígenas yanomamis e ye’kwanas em cerca de 320 aldeias, além de oito registros de grupos isolados.
Na petição à CIDH, de 31 páginas, Kopenawa e Oliveira pedem a retirada imediata dos garimpeiros e a adoção “de medidas urgentes e eficazes para impedir novas invasões”. Solicitam ainda “medidas urgentes e efetivas” para conter o avanço dos casos da Covid-19 dentro da terra indígena, a reativação das bases de proteção etnoambientais da Funai na região, a identificação e punição dos responsáveis pelo financiamento e operação da atividade garimpeira ilegal e um plano d proteção territorial, entre outras medidas.
“A par das insuficiências estruturais do sistema de saúde indígena para a contingência e tratamento da doença, a população Yanomami e Ye’kwana está perigosamente exposta à doença devido à intensificação da atividade garimpeira ilegal do garimpo em suas terras desde 2018, sem que o Estado brasileiro tenha tomado, com a devida diligência, as medidas necessárias para impedi-la. Assim, as comunidades Yanomami e Ye’kwana estão sob risco de sofrer novamente de graves violações de direitos humanos como consequência da invasão de suas terras tradicionais por garimpeiros, e das epidemias que resultam desse contato”, afirma a petição.