Governo não explicou como irá funcionar o projeto do turismo em área indígena (Foto: Lilian Brandt)

Quanto mais o tempo avança, mais aumenta a certeza de que o governo de Antonio Denarium (PSL) será mais do mesmo do que já vivemos em administrações anteriores. Até este presente momento, o que muda, neste atual mandato, é que desta vez o grupo de empresário deixou apenas de orbitar, como ocorria em governos anteriores, e passou a comandar o núcleo do governo.

Vejamos a questão do turismo, que apresentou como sendo algo novo,  com recurso federal que já era carimbado desde o governo Temer (MDB), a exploração de atrativo em área indígena, o chamado etnoturismo, por meio do Investe Turismo.  Está muito óbvio que esse projeto tem pretensões de beneficiar alguma empresa sob o argumento de parceria com as comunidades indígenas, mais precisamente com os moradores da comunidade Raposa, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.


Cheira a engodo, a começar pelas péssimas condições da estrada, a BR-401, que dá acesso ao Município de Bonfim, cujo trecho é na piçarra, que vira buraqueira, poeira e pedra, no verão, e se torna atoleiro durante o inverno, inclusive com interdições do tráfego quando algum bueiro é arrastado pela força das águas.   Que turista em sã consciência vai colocar seu carro numa estrada em precárias condições e que coleciona recorrentes acidentes graves e fatais a cada ano? Então, isso já é um indício de direcionamento.


Outro visível dado que cheira mal nesse projeto são as condições da comunidade Raposa, cuja escola funciona em um prédio em condições ruins e com falta de merenda escolar e material didático. Antes do início do ano letivo, os estudantes organizaram protestos e fizeram denúncias na imprensa, mas o Governo do Estado nem ligou, argumentando apenas que o problema ocorria nas demais escolas indígenas. Ou seja, o governo não gosta de índio, a não ser os que defendem grandes produtores.

Até hoje há um mal gerenciamento na condução das escolas. As unidades do interior, de áreas indígenas e dos bairros periféricos da Capital continuam enfrentando falta de merenda escolar, de professores e de melhores condições na estrutura física. Somente algumas escolas em áreas centrais de Boa Vista acabam recebendo maior atenção como forma de maquiar a realidade.

É assim que o Governo de Roraima está entrando na Raposa para explorar o turismo, querendo levar os turistas para apreciarem as belezas naturais que lá existem enquanto sequer garante estrutura justa para a escola estadual funcionar. Obviamente que as mazelas de lá serão maquiadas e escondidas do turista. Sem contar com a vergonhosa estrada pela qual o turista terá que penar antes de chegar até a comunidade.

São essas contradições que envolvem o projeto de turismo em área indígena, enquanto o mesmo governo vira as costas para áreas prioritárias do turismo roraimense, como a Serra do Tepequém, ao Norte, e Serra Grande, a poucos quilômetros de Boa Vista, a Centro-Leste, as quais sequer recebem manutenção na estrada para aliviar o sofrimento do turista. Tepequém é o único ponto turístico realmente com estrutura e investimento da iniciativa privada. Os empresários da Serra Grande tentam se estruturar, mas até agora só receberam desprezo do governo e da Prefeitura da localidade.

Apostar naquela área indígena significa que apenas uma empresa poderá ser beneficiada, enquanto em Tepequém e Serra Grande não dá para fazer esse tipo de direcionamento. Nessas regiões existem empresários que estão investindo com esforço próprio e sacrifício junto com a comunidade local, o que significa geração de emprego e renda, com circulação de dinheiro novo injetado principalmente por turistas de Manaus (AM) que se deslocam para Roraima a qualquer feriado prolongado.

É por isso que esse projeto de etnoturismo precisa ser visto com cautela e desconfiança, pois é inconcebível que um governo que se elegeu sob a bandeira da nova política e do desenvolvimento do Estado não consiga enxergar o que é prioritário no turismo, para que se possa ter uma alternativa econômica imediata, que já funciona sem apoio governamental. Porém, prefere apostar no que é duvidoso, em se tratando de questão indígena, e que privilegia alguns poucos.

Por último, o que gera mais desconfiança nesse projeto, é que existem outras comunidades indígenas que já estão explorando turismo, mas seguem esquecidas das ações governamentais. Se existe um projeto de etnoturismo, ele deveria começar por essas localidades, a exemplo da Comunidade Nova Esperança, em Pacaraima, onde a comunidade se esforça para viver do turismo explorando a natureza de forma sustentável.

Lá não existe qualquer impedimento e o turismo é uma realidade. Por que não investir naquela região? Até porque as experiências são exitosas, com trilhas, culinária, tradição e cultura indígenas, inclusive com festivais que têm levado pessoas a conhecer e interagir com a comunidade. Onde está o Governo do Estado e outras instituições que fecham os olhos para isso?

Em última hipótese, se for um projeto piloto (ou algo assim), com recurso federal já carimbado e com destino certo, então que pelo menos o governo trate de resolver ou amenizar as mazelas que afligem a comunidade indígena da Raposa, antes de querer mostrar só o belo. A começar por solucionar os vergonhosos problemas da escola estadual. Sem contar que, com ou sem turismo, esta já é uma obrigação do Governo do Estado.

E por último – e principalmente – que o governo pare de enganar as pessoas, dizendo se tratar de uma política de turismo inovadora, como se fosse a última maravilha do momento, a caravela chegando com espelhos e miçangas. Basta. De fake news a política já está cheia.

*Colunista

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