Boa Vista chega aos 129 anos, neste 9 de julho, com mais desafios do que necessariamente uma data para comemorar. A chegada em massa de venezuelanos transformou completamente não apenas a paisagem urbana, com pedintes e estrangeiros dormindo ao relento, mas também com reflexos severos na qualidade de vida e na vida social. Quer queiramos ou não, o espanhol será a segunda língua mais falada daqui para frente, nos obrigando a uma nova relação social.
Não sabemos aonde iremos parar enquanto as autoridades não encontram soluções para amenizar os impactos negativos dessa imigração desordenada, com um número de pessoas chegando que pode ser insignificante para a extensão do Brasil, mas que representa uma insustentável realidade para o Estado de Roraima, o mais pobre e o menos populoso do país.
É dentro desta realidade que chegamos para celebrar mais um ano de vida de Boa Vista, com muitas incertezas e desesperança de uma vida melhor para quem aqui vive, sofrendo as mais duras consequências dessa tragédia humanitária que pune venezuelanos que chegam na miséria e castiga os boa-vistenses que veem sua vida ser transformada de uma hora para outra, principalmente nos setores essenciais, como saúde, segurança e educação.
Uma luz surgiu a partir do IV Encontro Técnico Internacional do Processo de Quito, realizado na Argentina, nos dias 4 e 5 de julho, quando representantes governamentais de 14 países da América Latina e do Caribe discutiram a possibilidade de ajudar os governos do Brasil e da Colômbia na recepção de venezuelanos. Não ficou bem claro se estes países poderão ajudar a receber venezuelanos, mas a esperança é essa.
O Governo Federal tem sido relapso na política de interiorização dos estrangeiros que chegam diariamente a Roraima, demorando muito nesse processo imprescindível para desafogar o sufoco que Boa Vista e Pacaraima, na fronteira, vem enfrentando, tornando o serviço de acolhimento e abrigamento insuficiente para atender a todos que chegam.
Esse é o tamanho do desafio que Boa Vista tem daqui para frente, piorado com a crise que o país vem enfrentando, o que significa menos possibilidades de recursos federais serem enviados. Isso exigirá mais esforço por parte das autoridades, em especial da Prefeitura, que até aqui chegou esbaldada em grande volumes de recursos federais, o que fez essa administração trabalhar mais com a estética do que preparar a Capital para o futuro.
A estética é importante, sim, mas de nada servirá se esta estética não vier acompanhada de ética. A ética será a peça-chave para lidar com esta nova realidade, pois implicará em dosar muito bem a aplicação dos poucos recursos, expurgando a corrupção e o jeitinho que sempre privilegiaram grupos e empreiteiras que se esbaldaram com grandes obras, muitas delas que se mostraram não prioritários.
Chegou a hora da verdade. Os boa-vistenses precisam aceitar esta nova realidade sob outra ótica, não aquela de que os venezuelanos serão expulsos ou mandados de volta de alguma forma. Mas isso não significa aceitar e acomodar-se com os problemas sociais e com a criminalidade. Absolutamente não. É necessário agora cobrar que as autoridades locais e federais não fecham os olhos em busca de soluções definitivas e urgentes, já que o Brasil não vai trancar a fronteira.
O aniversário de Boa Vista precisa servir de grito de alerta, não de festa, para que continuemos a comemorar, no futuro, a situação de uma cidade boa para se viver, como vínhamos caminhando antes da imigração em massa. Nosso futuro depende de como as decisões serão tomadas a partir de já, sem omissões ou picuinhas políticas.
*Colunista, idealizador do site www.roraimadefato.com.br