Foto: Roraima 1

A dona de casa Sílvia Cunha frequenta sempre a farmácia localizada na avenida Brigadeiro, na altura do Bairro dos Estados, em Boa Vista. Pelo menos uma vez por semana, ela vai ao estabelecimento para comprar medicamentos e produtos de higiene pessoal.

“No começo eu via as mães com os bebês aqui na porta. Todos com aparência de doentes, frágeis, mal alimentados. Me compadecia, né? Sou mãe. Comprava fralda, Leite, e imaginava que estava fazendo a minha parte pra tentar ajudar esse povo tão sofrido, que está passando por dificuldades”, disse.

Até que, semana passada, ela precisou voltar a farmácia por ter comprado um medicamento errado. “Foi coisa de duas horas depois de ter ido a primeira vez. A mesma mãe estava lá, já com uma criança diferente, da mesma idade, pedindo a mesma coisa que eu tinha acabado de comprar. Fiquei sem entender na hora, mas depois a ficha caiu. Ela não era a mãe do segundo bebê, e a gangue estava revendendo os produtos das doações. Fiquei indignada por ela estar se aproveitando das crianças para ganhar dinheiro. Dei um esculacho, fui xingada de volta, e me prometi que não daria mais ajuda nenhuma para aquelas mulheres oportunistas. Não encontro outra palavra! Oportunista”, desabafou.

Por dia, com a sensibilização dos doadores, na maioria mulheres, mães, cada pedinte que fica na porta desse estabelecimento fatura um bom dinheiro. “A gente orienta que os clientes não deem dinheiro para essas mulheres, porque elas estão se aproveitando das crianças para comover os clientes daqui. Isso sem contar os casos de furto que nos já registramos e chamamos a polícia. Olhe, já teve dia aqui da gente precisar trocar cédula por moeda, pra facilitar o troco, e essas mulheres terem aqui quase R$200 em moedas pra trocar com a gente. São aproveitadoras mesmo. Tem venezuelana chegando de Uber pra pedir esmola aqui na porta”, revelou um funcionário da farmácia, que pediu anonimato.

Além da utilização indevida de crianças para faturar dinheiro, outras ocorrências já foram registradas em diversos estabelecimentos da capital. Em outra farmácia da mesma rede, uma dessas mulheres riscou o carro de uma funcionária que reclamou porque as venezuelanas estavam entrando na loja e agarrando clientes pelos braços. “Eu reclamei porque acho que tudo tem limite. Falei com educação e disse que não era pra ela tocar nos clientes porque isso incomodava qualquer pessoa. Quando fui pro almoço, meu carro estava todo arranhado com uma pedra. E onde eu estacionei a câmera não pegou. Mas também se pegasse ia adiantar de quê, né? Pagar ela não ia”, disse.

VARA DA INFÂNCIA

A Divisão de Proteção das Varas da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Roraima informou que realiza abordagens às crianças encontradas em situação de mendicância nos semáforos e comércios da capital. A ação consiste em abordar, recolher a criança e/ou família e levá-la até as suas residências para produção de relatório situacional, cujo intuito é a formalização de ações judiciais de medidas de proteção ou até mesmo ações de apuração infração às normas administrativas do ECA.

As ações de medidas de proteção consistem em identificar e sanar as violações de direitos e garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que em grande parte há a constatação de que estão fora de escola, sem documentação pessoal, com vacinas desatualizadas e principalmente, sendo usadas para comiseração social ao mendigarem em portas de comércio ou entre carros e motos nos semáforos da cidade.

Durante esses últimos 3 meses de abordagens foram realizadas mais de 200 visitas, cujos relatórios foram convertidos em processos de medidas de proteção, onde grande parte são de crianças venezuelanas abordadas nas ruas, que por sua vez, constatamos que residem em lares improvisados, vilas ou invasões em situação precária de moradia.

“Acreditamos que o número de crianças nos semáforos seja mais que o dobro deste número, sem contar a rotatividade destas nos locais de abordagem, vez que umas estão em trânsito, outras em situação de interiorização ou ainda, retornaram para a Venezuela”, destacou Lorrane Costa, Chefe da Divisão de Proteção da Vara da Infância e Juventude.

Trabalho infantil – Algumas foram encontradas em situação de trabalho infantil, como por exemplo: munidas de rodinhos para lavar para-brisas de carros, vendendo pitombas, bananas, balas e até cigarros, mesmo possuindo pais empregados e com renda. Essa situação pode ser considerada como exploração de trabalho infantil.

Diante de tais situações, dependendo da situação em que a criança é encontrada, os processos de medidas protetivas podem ser convertidas em ações de infrações às normas administrativas do ECA, às quais geram multa aos pais ou ainda, a perda do direito de guarda destes.

“A miserabilidade não é justificativa para o uso da criança para a comoção social em mendicância. O trabalho e sustento da família é de inteira responsabilidade dos adultos e não da criança, em alguns casos só estas trabalham, onde ficam expostas a todos os agentes nocivos das ruas, além de perder a fase única de desenvolvimento físico e motor que uma vez perdido jamais será recuperado”, concluiu Lorrane.

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