O presidente Jair Bolsonaro terá de decidir nas próximas semanas se vai manter o processo de acolhimento de venezuelanos que entram no Brasil em condições precárias.
A força-tarefa que atua em Roraima tem recursos previstos para garantir a operação até março deste ano. Depois disso, será necessário um orçamento extra de cerca de R$ 150 milhões para manter essa missão até o fim do ano, segundo afirmou à “BBC News Brasil” o almirante Ademir Sobrinho, chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas.
Segundo ele, só há previsão de recurso até março porque a continuidade e as características da operação dependem de decisão do novo governo.
“Nós fomos apagar um incêndio e agora tem que parar para pensar como será o futuro”, disse. “Não creio que o governo federal vai se negar a isso (manter a operação), porque a operação já está ocorrendo e não tem como abandoná-la de uma hora para a outra. E esse recurso, que é para até o fim de 2019, pode ser despendido mês a mês.”
O valor representa 0,1% do déficit das contas públicas previsto no Orçamento de 2019, de R$ 139 bilhões.
A estimativa considera as despesas com alimentação, custeio da operação e a chamada interiorização (deslocamento para outras regiões) dos venezuelanos que entram no país em situação vulnerável.
Além disso, leva em conta um cenário em que o fluxo de entrada de imigrantes na fronteira com a Venezuela permaneça nos patamares atuais. Caso aumente a chegada de imigrantes em situação vulnerável, o crédito necessário também será maior.
“Se a situação na Venezuela não evoluir positivamente, a tendência é aumentar esse número. O problema é que, mesmo que estabilize a questão política, o país vai levar muito tempo para se reestruturar”, afirmou Ademir Sobrinho.
Recém-empossado para um novo mandato, o presidente Nicolás Maduro atacou Bolsonaro durante um pronunciamento na segunda-feira pelo fato de o Brasil ter apoiado o opositor Juan Guaidó, que comanda a Assembleia Nacional e manifestou a intenção de assumir a Presidência da Venezuela.
Ao lado de EUA, União Europeia e outros países, além de organizações como a OEA (Organização dos Estados Americanos), o governo brasileiro não reconheceu Maduro como presidente legítimo da Venezuela.
“E ali temos o Brasil nas mãos de um fascista. Bolsonaro é um Hitler dos tempos modernos!”, afirmou Maduro. “Deixemos a tarefa Bolsonaro ao maravilhoso povo do Brasil, que lutará e se encarregará dele”, completou.
O governo brasileiro não havia comentado as declarações até a publicação desta reportagem.
Perspectivas futuras
Segundo dados da força-tarefa, uma média de 370 venezuelanos pedem refúgio ou residência temporária no Brasil a cada dia, dos quais 15 a 20 são totalmente desassistidos e precisam de abrigo.
O resultado, ao fim de um mês, é que de 450 a 600 pessoas precisam ser abrigadas. Atualmente, a média de interiorização é de 450 venezuelanos por mês.
Esse equilíbrio precisa ser mantido para que o Brasil consiga receber novos imigrantes nos treze abrigos que existem em Roraima. No total, 6,5 mil venezuelanos estão abrigados hoje nesses locais.
Prevendo uma possibilidade de piora na situação da Venezuela e o consequente aumento do fluxo de imigrantes, o governo brasileiro chegou a desenhar no ano passado um planejamento com novos abrigos, que pudessem receber de 5 a 10 mil pessoas, segundo integrantes da gestão do ex-presidente Michel Temer. O maior abrigo hoje comporta pouco mais de mil pessoas.
A Operação Acolhida, de ajuda humanitária a venezuelanos, envolve diversos órgãos do governo, como a Casa Civil, o Ministério da Defesa e a Polícia Federal, além da ONU (Organização das Nações Unidas) e organizações não governamentais.
O representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, Jose Egas, diz que a operação que acolhe os venezuelanos na fronteira brasileira é uma resposta de alta qualidade.
“O maior desafio é continuar com a resposta humanitária que o Brasil tem oferecido para a população venezuelana em momento que a crise da Venezuela continua. É importante continuar com uma resposta que tem sido um exemplo na América do Sul”, defendeu.
Egas diz, ainda, que não há razão para acreditar que o fluxo de venezuelanos que migram para os países vizinhos vai diminuir.
“Até agora, nós trabalhamos com a noção de que os números serão os mesmos (nos próximos meses)”, disse.
Ele evita comentar a possibilidade de o governo deixar de apoiar financeiramente a acolhida dos venezuelanos.
“O que entendemos é que o governo vai continuar com a operação e, nos próximos meses, eles tomarão as decisões que terão que ser tomadas para continuar com essa resposta”, disse.
O representante do Acnur também diz que, embora o Brasil receba menos venezuelanos que países vizinhos, como Colômbia, as condições são muito desafiadoras. Ele menciona o fato de os imigrantes chegarem pelo Estado de Roraima, que passa por dificuldade financeira e tem baixa capacidade de absorver essas pessoas. Lembra também que as opções para deixar o Estado são difíceis devido às condições geográficas.
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, não descartou a possibilidade de fechar a fronteira com a Venezuela, mas disse que isso não deve acontecer porque “o Brasil não é um país assim”.
Segundo relatório da Organização Internacional para Migrações (OIM) – Agência das Nações Unidas para Migrações – em julho de 2018, o Brasil tinha recebido 50 mil venezuelanos. O Peru, que sequer tem fronteira com a Venezuela, recebeu 354 mil; o Chile, que é ainda mais distante geograficamente, abrigou 105,7 mil, e a Argentina, 95 mil.
Colômbia, Estados Unidos e Espanha concentram 68% dos emigrantes venezuelanos, segundo o relatório. A Colômbia tinha recebido 870 mil venezuelanos até abril de 2018.
Tiro no pé
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB Antonio Jorge Ramalho da Rocha, seria um grande erro o Brasil tentar bloquear de alguma forma a entrada de venezuelanos.
“Fechar a fronteira é fisicamente impossível. Você pode fechar a entrada formal, mas não é inteligente porque as pessoas vão procurar outras formas de ingresso no país. Eu duvido que o governo brasileiro tome essa decisão hoje, porque é um tiro no pé, já que você cria incentivo para que eles entrem de outra forma.”
Se o Estado perde o controle da entrada, um dos riscos, segundo o especialista, é que imigrantes entrem sem vacinação e possibilitem a emergência de novos problemas de saúde no Brasil.
Rocha argumenta que seria sensato por parte do Brasil buscar uma aproximação com o país vizinho e critica a postura do governo desde a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.
“Se não tenho confiança do governo de lá, é melhor que eu me aproxime e tenha informação”, disse. “A gente vê a Venezuela se aproximando da Rússia, da China, Turquia. A nossa região estava à margem das grandes tensões políticas globais e agora não está mais.”
Na avaliação dele, a melhor estratégia para o Brasil seria liderar uma resposta regional para reduzir a disputa geopolítica global na América do Sul. “Temos menos recursos de poder, não nos interessa trazer essa disputa pra cá.”
Será necessário aguardar, segundo o professor, para ver como o governo Jair Bolsonaro vai conduzir as relações internacionais.
“Não está claro pra ninguém com relação à política externa de maneira mais ampla se o que vai prevalecer é a visão ideológica ou leitura pragmática dos interesses do Brasil.”
No último sábado, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou no Twitter que “finalmente há esperança de democracia na Venezuela”.
“O Brasil, sob o comando do presidente Bolsonaro, está trabalhando incansavelmente para influenciar a dinâmica da região em favor da liberdade”, disse.