Ulysis Cababan estava curioso. Um vizinho dele, na cidade de Cebu, nas Filipinas, o alertara sobre uma barraca de comida de rua que ambos frequentavam. Supostamente, as refeições ali seriam feitas usando água da torneira.
Fofoca, ou chika-chika, faz parte do modo de vida nas Filipinas. Mas Cababan, que trabalha em uma agência de vistos, queria checar por conta própria se a fofoca era verdadeira. Então, fingindo estar procurando um lugar para lavar as mãos, deu uma olhada ao redor da área da cozinha da barraca. Cababan encontrou baldes claramente enchidos com água da torneira, em vez de mineral.
Angustiado sobre as possíveis infecções que poderia contrair, avisou, então, a esposa. “Talvez por causa da fofoca, a história possa chegar mais rápido do que relatá-la a alguma autoridade”, avalia Cababan.
A fofoca é frequentemente tratada com desdém ou hostilidade. Mas pode ser útil para pequenos grupos.
Há uma distinção importante a ser feita aqui sobre como a maioria de nós define fofoca – uma maneira de falar mal de alguém que não está presente – e como os cientistas a definem. Na ciência social, a fofoca geralmente é caracterizada como a comunicação sobre uma pessoa que não está presente de uma maneira que envolva a avaliação dela, boa ou ruim.
Esse tipo de comunicação informal é crucial para compartilhar informações. A fofoca é necessária para a cooperação social; em grande parte, esse tipo de conversa cimenta vínculos sociais e elucida as normas sociais.
E, diferentemente do imaginário popular, a fofoca tende a não ser negativa – em vez disso, a maioria é positiva ou neutra. Um estudo que analisou a conversa de pessoas no Reino Unido revelou que apenas 3-4% da amostra de fofocas eram maliciosas.
É preciso, contudo, esclarecer a diferença entre fofoca e boato. A fofoca ocorre predominantemente dentro de um círculo social mais restrito do que o boato.
Segundo Jennifer Cole, professora de psicologia social na Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido, “fofoca não é sobre coisas que estão acontecendo em um ambiente. É sobre pessoas.”
Isso tem implicações para credibilidade. “A fofoca é tipicamente verdadeira”, diz Sally Farley, professora de psicologia da Universidade de Baltimore, nos Estados Unidos. “Por outro lado, se for uma mentira, seria melhor descrevê-la como boato.”
#MeToo
A reportagem da BBC Future conversou com Farley um ano após as acusações de agressão sexual contra o produtor Harvey Weinstein terem sido publicadas no jornal americano The New York Times. Isso nos faz refletir sobre como a fofoca pode garantir a proteção informal de mulheres de agressores conhecidos, frente à inexistência de mecanismos formais que levem suas queixas a sério.
“As pessoas não perceberam que o movimento #MeToo se encaixa na definição de fofoca”, diz Farley. “Acredito que esse movimento foi uma forma de as mulheres reagirem e reafirmarem o poder.”
Claro, isso é verdade para além do movimento #MeToo. “Estamos ansiosos para aprender informações sobre os outros”, afirma a pesquisadora. “Então, quando nos é negado o acesso a canais de comunicação formais, especialmente se você é um indivíduo com menor status, tendemos a confiar em canais informais, como redes de fofocas.”
Mas, apesar da longa percepção de que as mulheres fofocam mais do que os homens, não há evidências de que essa hipótese seja verdadeira.
Não há dúvida, porém, de que homens e mulheres fofocam de maneira diferente. É mais provável que a fofoca masculina tenha mais fins de autopromoção e que seja chamada pelos homens de outra forma, como “troca de informações” ou “networking”.
Já as mulheres tendem a tornar as fofocas mais divertidas, com muitos detalhes e em um tom animado. Assim, as conversas à boca pequena de homens podem não soar entre eles como fofocas – mesmo que muitas vezes sejam.
Fofoca de celebridades
Embora a fofoca geralmente se refira a pessoas que conhecemos muito bem, fofocas de celebridades ainda são fofocas – dado que a onipresença de certas estrelas e a cobertura da mídia delas nos faz sentir como se as conhecêssemos. Tanto é que muitas são chamadas pelo primeiro nome, como Beyoncé ou Madonna.
Esse tipo de fofoca também tem um papel maior do que o simples entretenimento.
Por um lado, a fofoca de celebridades é uma maneira de testar as águas de diferentes identidades e afiliações, especialmente se estas são marginalizadas. Por exemplo, gays podem usar a suposta homossexualidade de uma estrela do cinema para debater temas difíceis.
“Vejo fofocas de celebridades como uma espécie de porta de entrada para divulgar informações pessoais que as pessoas podem não se sentir confortáveis em divulgar se não tiverem o mesmo protagonismo”, diz Andrea McDonnell, professora de comunicação e mídia do Emmanuel College, em Boston, nos Estados Unidos.
Também revela tendências maiores – como a epidemia de notícias falsas. Quando McDonnell começou a pesquisar revistas de fofocas de celebridades americanas durante a Presidência de Barack Obama, seus entrevistados lhe disseram, para sua surpresa, que a falta de veracidade dessas revistas era um aspecto de que gostavam. Eles acreditavam ser empoderador descobrir o que era notícia verdadeira e fabricada.
“Da mesma forma que vimos as fake news chegarem à grande mídia, também vimos a cultura das celebridades se mover do mundo dos tablóides para o cenário político americano”, diz McDonnell.
O perigo, claro, surge quando quando essas ideias entram em “um cenário jornalístico que não se restringe ao entretenimento. Agora, todo o jornalismo passa por uma crise de legitimidade”, afirma a professora.
Lado positivo?
Por outro lado, grupos tradicionalmente excluídos podem encontrar voz por meio de seus próprios canais e interpretações da verdade.
Isso pode trazer benefícios – assim como as mulheres avisando umas às outras informalmente contra os homens abusivos que comandam os impérios da mídia. Ou pode ser tóxico – como nas falsas fofocas que arruinam reputações e resultam em violência.
Um problema é que as pessoas acreditam nas fofocas de imediato, em parte porque elas vêm de pessoas que conhecemos. Tome o exemplo do Facebook como fonte popular de notícias. Seu amigo ou seu tio não necessariamente checaram a notícia que estão compartilhando, mas é mais provável que você confie porque a informação vem de uma fonte confiável. O fato de sermos criaturas sociais nos torna mais facilmente manipuláveis.
Mas as fofocas ruins geralmente têm vida curta. Nosso subconsciente costuma avaliar as motivações dos fofoqueiros. E as pessoas que espalham fofocas negativas, consideradas oportunistas, acabam menos respeitadas e menos admiradas.
“As pessoas inteligentes percebem que quem fofoca com frequência provavelmente também está fofocando sobre elas, e isso entra no seu radar”, diz Farley, da Universidade de Baltimore.
“Se as informações que essas pessoas estão compartilhando forem basicamente negativas, elas acabam mal vistas nos círculos sociais. Portanto, em resumo, respeitamos quem é seletivo quanto ao uso de fofoca.”
Pânico e violência
A crença na bruxaria em certas partes da África subsaariana mostra como a fofoca pode gerar pânico e violência. Na Tanzânia, o antropólogo Simeon Mesaki diz que sua irmã e tia romperam relações depois que um vidente culpou sua tia pela condição de saúde que afetava o desenvolvimento da sobrinha dele. E, devido à propagação dessa fofoca, sua mãe também se envolveu na disputa familiar.
Mesaki, professor da Universidade de Dar es Salaam, aponta que as consequências podem ser mais graves do que um desentendimento ou ruptura familiar. Recentemente, diz ele, “alguns pesquisadores foram mortos no distrito de Chamwino quando foram confundidos com chinja chinja ou mumiani [criaturas vampíricas] querendo sugar o sangue dos moradores locais. Essas eram fofoqueiras maliciosas”.
Em situações extremas como essa, especialmente quando o nível de educação científica é baixo e a insegurança financeira, alta (afinal, por causa disso, curandeiros e outros conseguem encontrar espaço para ganhar dinheiro), a fofoca pode ser muito perigosa.
Mas ainda pode ter uma função social útil como meio de reforçar o conceito do igualitarismo. Uma pessoa que obtém riqueza de forma repentina e misteriosa, por exemplo, passa a ser alvo de fofoca. É tentador acreditar que sua benesse deriva de forças malévolas. Mas neutralizar essa suspeita compartilhando informações pode ser bom para a harmonia social.
A fofoca também pode ajudar a reduzir o estigma.
Bianca Dahl, antropóloga da Universidade de Toronto, no Canadá, dá o exemplo do povo Tswana em Botsuana, na África, que passou a fofocar sobre a infecção pelo HIV.
Contanto que não o façam de uma maneira que difama a pessoa que estaria possivelmente infectada – de novo, há uma diferença entre como a maioria das pessoas e os cientistas sociais encaram a fofoca – isso pode mudar a percepção social sobre os comportamentos sexuais das pessoas infectadas.
Sendo assim, como maximizar os benefícios da fofoca e reduzir suas desvantagens?
Cole, da Universidade Metropolitana de Manchester, dá quatro dicas: manter as fofocas em segredo, torná-las úteis, não contar mentiras e conectar-se com os ouvintes. Evitar o anonimato também pode ajudar.
No entanto, Dahl costuma aconselhar a entender a base emocional da fofoca e da desinformação. Na zona rural de Bostwana, pode ser um desejo de evitar o estigma da transmissão do HIV. Já em um vilarejo nos EUA, pode ser sobre o medo da mudança social.
“Você precisa começar abordando a fonte emocional da crença e averiguar o ‘trabalho’ que essa crença faz pelas pessoas”, diz Dahl. “O ponto é que nós aderimos às nossas crenças em parte por causa da verdade emocional que elas oferecem.”
A fofoca pode ser excludente e perigosa. Mas ela é inevitável – e pode ser uma força para o bem. Entender por que as pessoas se beneficiam com as fofocas é uma maneira de combater convicções danosas.