IPTU, IPVA, matrícula escolar… Apesar de serem sempre iguais, as contas de começo de ano tendem a tirar o sono de muita gente. Na prática, essas despesas sazonais podem até triplicar os gastos das famílias e, por isso, especialistas aconselham cautela e organização na hora de pagar os boletos. A recomendação é evitar entrar em janeiro numa ciranda de dívida que pode colocar a perder a organização financeira para todo o ano.
Um levantamento da ONG Bem Gasto realizado a pedido do Estado com cinco famílias de diferentes perfis sociais, todas da Grande São Paulo, mostra o peso do começo do ano no bolso do brasileiro. Curiosamente, o único entrevistado que não prevê estourar o orçamento de janeiro, um casal na faixa dos 35 anos, tem justamente o menor poder aquisitivo da amostragem.
Com renda mensal de R$ 6 mil, eles vão gastar R$ 4.150 em janeiro e guardar o restante para despesas futuras com o filho, que nascerá até abril. O segredo para isso, segundo Francisca Quitéria da Silva Rodrigues, é reduzir o consumo, anotar todas as despesas e sempre reservar algum dinheiro para investimentos.
“Eu era mais ‘gastona’. Mas tive problemas com cartão de crédito e cortamos tudo. Antes, a gente saia pelo menos seis vezes por mês para comer fora, agora são duas vezes, no máximo três”, diz Francisca, que trabalha com comunicação em Paraisópolis.
“Não é quanto ganha, mas quanto gasta. A regra da organização financeira é anotar tudo e se preparar para o começo do ano”, afirma o planejador financeiro pela Planejar Daniel Varajão. “Muita gente usa o décimo salário como uma verba extra para cobrir os gastos de janeiro e dezembro. Quando, na verdade, ele deveria ser usado para investimento.”
Segundo os especialistas, o melhor a fazer é aproveitar os dias de folga propiciados pelas festas para preparar um raio X de todas as despesas que costumam ser pagas no começo de cada ano.
Uma dica é recuperar as faturas de cartão de festas passadas e extratos bancários antigos para uma comparação, para compreender o impacto desses gastos no orçamento. “O maior vilão de desequilíbrio financeiro desse período é o cartão de crédito. É preciso muito atenção”, afirma o coordenador do Programa de Apoio aos Superendividados do Procon-SP, Diógenes Donizete.
‘Tive de refinanciar o meu carro’
Em janeiro deste ano, a representante de vendas Thais Maria Valadão de Freitas descobriu que não conseguiria pagar todas as despesas e decidiu empurrar algumas delas para fevereiro. De fevereiro, empurrou outras para março, que prejudicaram abril, maio… Em setembro, já no rotativo do cartão de crédito e do cheque especial, a solução foi refinanciar o carro.
“Troquei um monte de contas por uma só, do financiamento do carro” conta. “Peguei R$ 35 mil e paguei as contas. A taxa é de 2,63% ao mês. É alta, mas menor que um crédito pessoal no banco.”
O problema de Thaís é que, agora, em janeiro de 2019, o caso se repetiu. Casada, com quatro filhos (três deles em escola particular e uma em universidade, também privada), ela trabalha praticamente quatro semanas do mês para bancar as contas ordinárias.
Em janeiro, o cálculo realizado pela ONG Bem Gasto informa que serão necessárias cinco semanas de trabalho para dar conta das despesas de início de ano. “Não vou ter como pagar. Estou pensando em cortar alguns gastos, dividir o IPVA, dispensar a empregada… Vou ter de pensar no que fazer”, diz.
‘Parei de sair para comer fora’
A vida financeira de Francisca Quitéria da Silva Rodrigues pode ser dividida entre dois momentos: antes e depois do rotativo do cartão de crédito. Há alguns anos, quando passou a dever o cartão, tomou a decisão de comprar tudo à vista – ou depender do cartão do marido. “Eu tinha de pedir para ele, e isso me ajudou a me organizar.”
Hoje em dia, Francisca tem as despesas da casa na palma da mão – tanto que vai sobrar dinheiro em janeiro. “Meu marido consegue comprar as coisas dele e ainda guardar salário. Eu tento fazer igual”, diz ela, que, grávida, espera uma criança para abril. “Vamos comprar os móveis do bebê pagando uma parte à vista.”
No consumo, Francisca conta que a grande mudança foi reduzir pela metade os gastos com lazer. “Hoje, convidamos os amigos para virem aqui em casa. E paramos de comer fora, em restaurantes”, diz.
‘Vou sacar R$ 10 mil de uma aplicação’
O ano que está acabando ficou marcado para Anelise Maria Jircik por uma separação e, como consequência, o aumento de suas despesas. Com dois filhos, um de 9 e outro de 14 anos, ela vai chegar em janeiro com um desequilíbrio de R$ 10 mil no balanço doméstico.
“Não teve jeito. Por sorte, sou organizada e sempre guardei dinheiro. Agora, vou baixar esse dinheiro das aplicações e pagar o que devo”, conta ela, que trabalha como executiva de uma empresa multinacional.
As principais despesas de Anelise envolvem as escolas dos filhos. Matrícula, uniforme e material escolar vão pesar no bolso. “Por sorte, são despesas de janeiro apenas. Algumas, a gente pode pagar de uma vez ou diluir nos outros 11 meses”, conta ela.