É quase uma nova lei do varejo brasileiro: estimuladas pela comoditização da tecnologia e pelos altos prêmios pagos às fintechs, as redes que possuem capilaridade e escala começam a se fazer a pergunta: por que não ter logo um banco? Afinal, o ‘profit pool’ é gigante, e os maiores concorrentes são lentos para reagir.
Ontem à noite, uma semana depois de anunciar um upgrade em sua governança corporativa, a Guararapes, a holding que controla as Lojas Riachuelo, disse que vai transformar sua financeira, a Midway, num banco que vai atender os clientes “através de uma ampla plataforma digital”.
Se bem executado, o plano deve levar os investidores a atribuir um maior valor à financeira na soma das partes que compõem a Guararapes cuja ação poderia se beneficiar de múltiplos mais próximos aos dos bancos digitais, que têm alto potencial de crescimento.
Mas o plano também embute riscos. Ao ampliar sua prateleira de produtos e número de clientes, a Guararapes pode errar a mão no crédito e começar a colher prejuízos na forma de inadimplência — o que já aconteceu com inúmeros varejistas — ou aumentar seu custo e não conseguir escalar a operação.
A Guararapes está longe de ser novata em crédito. Ao contrário da maioria das varejistas — que se associaram a bancos ou venderam parte de suas financeiras para ganhar expertise em crédito ou reduzir o risco — a companhia sempre desenvolveu e operou a Midway sozinha.
Responsável pela gestão dos cartões Riachuelo e por produtos como crédito pessoal direto e venda de seguros, a Midway tem 30,5 milhões de cartões emitidos e 7,4 milhões de clientes ativos.
Dos R$ 500 milhões que a Guararapes deve lucrar este ano, R$ 200 milhões virão da Midway, e outros R$ 300 milhões da operação de varejo.
Não está claro se a Guararapes eventualmente pretende listar seu banco em separado, mas sua escala significa que o Midway já nascerá maior que bancos digitais como o Inter e o Agibank e startups como o Nubank, em métricas como número de clientes e tamanho da carteira de crédito.
Na comparação das carteiras de crédito, o Nubank lidera com R$ 4,7 bilhões, seguido pela Midway com R$ 3,6 bi, Banco Inter com R$ 2,9 bi, e Agibank com R$ 1,6 bi.
Em termos de patrimônio líquido, o da Midway é de R$ 675 milhões, o do Nubank é de R$ 800 milhões, e o do Inter, R$ 930 milhões, segundo o Banco Data.
Enquanto a Guararapes vale cerca de R$ 10 bilhões na Bolsa, o Banco Inter tem um valor de mercado de cerca de R$ 3,5 bilhões. Há alguns meses, o Agibank falava num ‘valuation’ perto de R$ 9 bilhões num IPO. E o Nubank, que ainda dá prejuízo, foi avaliado em US$ 1 bi numa rodada recente.
No último trimestre divulgado, a Midway faturou R$ 554 milhões, um crescimento de quase 30% na comparação anual. O lucro líquido foi de cerca de R$ 57 milhões. A Midway já responde por uma fatia importante do resultado da holding há quase uma década.
Este ano, quase 50% das vendas das 308 lojas Riachuelo foram feitas com os cartões.
A Guararapes já havia dado sinais de que aumentaria o foco na Midway. Este ano, quando Flávio Rocha foi para o conselho, Oswaldo Nunes foi nomeado CEO da Riachuelo e Newton Rocha, CEO da Midway — a primeira vez que o papel de liderança foi dividido em dois.