Foto: Divulgação

“A Queda do Céu”, apresentado neste domingo no Festival de Cannes como parte da Quinzena dos Realizadores, poderia ser um filme silencioso, daqueles que deixam o tom contemplativo da floresta ditar o roteiro.

O filme de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha chegou à mostra paralela exibindo seus diretores e também o escritor e xamã Davi Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert, autores da obra homônima no qual o longa se baseia.

“O livro é inadaptável, mas foi como um convite para adentrarmos na reflexão que ele propõe”, resumiu Rocha após a sessão. “Não queríamos que o filme ficasse numa mera constatação da tragédia, num vitimismo, queríamos trazer a potência dos yanomami e do pensamento geopolítico do Davi.”

A sessão deste domingo terminou ao som de aplausos efusivos, de uma plateia que se pôs de pé tão logo os créditos finais começaram a subir. A celebração foi interrompida pelo anúncio de um bate-papo com a equipe.

“A luta continua. O invasor não para, então vamos continuar defendendo o nosso direito à terra e ao planeta. Sem indígenas, o homem branco vai acabar com a floresta. Nós precisamos de vocês e vocês precisam de nós”, disse Kopenawa ao auditório do teatro Croisette.

Há outra coisa que “A Queda do Céu” poderia ser e não é. Este poderia ser um filme de guerra. De um lado, os yanomami, aliados da floresta. Do outro, o homem branco, aliado do dinheiro.

Sonoramente, com seu barulho, o longa também se aproxima do gênero, e logo os cantos e bichos dão espaço para sirenes, rádios e aviões, que “cortam a floresta como carne”, como diz um dos personagens a determinada altura.

Mas há muita poesia nas entrelinhas de “A Queda do Céu” para que o filme ceda completamente à brutalidade desta que é, sim, uma guerra travada por aquele povo para preservar suas terras.

O noticiário não deixa mentir. Assombra o filme a crise humanitária vivida pelos yanomami nos últimos anos, com menções a mortes, estupros e doenças trazidos por garimpeiros e fazendeiros.

Quem é o selvagem, afinal, questiona um dos indígenas retratados, que olha fixamente para o espectador num monólogo que soa como desabafo.

“É um filme que fala tanto da cosmologia yanomami, quanto sobre nós, enquanto homem branco. É uma quebra de perspectiva, porque esse filme vira a câmera para nós mesmos”, diz Rocha.

Kopenawa, mergulhado numa aglomeração que pedia fotos com ele, disse ao repórter, após a sessão, que espera que a presença em Cannes traga mais atenção à causa indígena. E que, infelizmente, se sente mais respeitado num festival como este do que no próprio país. “A floresta pode até ir embora, mas a terra fica”, adverte.

“A Queda do Céu” faz parte de uma tradição recente do cinema brasileiro de se voltar aos povos originários, capturando os holofotes de festivais estrangeiros. Seja pelo olhar de curiosidade que destinam ao tema ou pela consciência social e ecológica contemporânea, fato é que este tipo de cinema, que já virou um subgênero, vem ganhando cada vez mais espaço em mostras como Cannes.

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