O feriadão em Roraima foi marcado pela surpreendente fuga da população boa-vistense para a Serra do Tepequém, localizada a 210 Km da Capital, ao Norte do Estado, no Município do Amajari. Lembrou a corrida em busca do diamante, no final da década de 1930, quando aquele local se tornou o maior garimpo de diamante da América do Sul.
Mas, desta vez, tratava-se de outra riqueza sendo descoberta: a do turismo. Tepequém é o único ponto turístico consolidado em Roraima, não por incentivo ou reconhecimento do governo, mas pelo investimento de empreendedores da iniciativa privada e pela comunidade que luta até hoje na transição da era do garimpo para a exploração do turismo como nova forma de vida e fonte de renda.
Foi uma superlotação surpreendente, pois não se tratava apenas de turistas em busca de descanso e lazer, mas um grande número de pessoas querendo fugir da cidade depois da quarentena que impôs duras restrições à população. E aqui está a grande polêmica que se sobrepôs ao aspecto da nova descoberta de Tepequém.
Embora o coronavírus continue uma ameaça, o que significa a necessidade de não relaxar não só em relação ao uso de máscara, higienização e distanciamento social, como também no setor de saúde, por parte dos governos, a grande massa que literalmente invadiu Tepequém não tomou qualquer cuidado, pegando a comunidade da pequena vila de surpresa e as autoridades desprevenidas.
Isso foi o suficiente para a Serra do Tepequém ser execrada na mídia local e ser alvo de críticas dos fiscais de plantão que existem nas redes sociais, sem observarem ou analisarem quem são os maiores e verdadeiros responsáveis, bem acima da população que se comportou como se não houvesse mais riscos do coronavírus. Sendo assim, ficou subentendido que os empreendedores do turismo e a comunidade da Vila do Paiva, sede de Tepequém, tivessem feito vistas grossas ou incentivado a irresponsabilidade do “liberou geral”.
Há uma série de fatores a serem observados para apontar os maiores responsáveis para o que aconteceu na Serra do Tepequém. Vamos aos fatos:
Um país sem ministro da Saúde
Desde o início da pandemia o Brasil vem trocando sucessivamente de ministro da Saúde e, hoje, um militar ocupa interinamente a pasta; é o mesmo militar responsável pela Operação Acolhida, em Roraima, que saiu daqui sob intensas críticas pelo fato de não ter avançado nas ações.
As falhas começam pela interiorização dos venezuelanos, que seria a base para distribuir os imigrantes a fim de aliviar o Estado de Roraima que até hoje paga a maior parte do ônus do acolhimento dos estrangeiros. Nem sobre isso se ouve mais falar, além de prosseguir o êxodo em massa, apesar de a fronteira estar fechada.
Além disso, temos um presidente da República que faz pouco caso da pandemia e chama o coronavírus de “gripezinha”, a qual poderia ser vencida por quem tem “histórico de atleta”. Ele também ignora as recomendações básicas, incentivando as pessoas a agirem da mesma forma, e não esconde sua posição favorável, desde o começo, da reabertura do comércio.
Esse comportamento diante da pandemia levou a discussão sobre as atribuições dos governos na prevenção e combate à Covid-19 para a mais alta Corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu tirar as maiores responsabilidades das mãos do Governo Federal para colocá-las nas mãos das prefeituras, causando um sério problema no pacto federativo (mas essa é outra questão).
Então, temos um governo que segue com um ministro da Saúde interino que não entende nada de saúde, e um presidente que incentiva a população a ignorar e esnobar a pandemia.
Prefeita já tinha lavado as mãos
Enquanto temos um presidente que age equivocadamente em relação à pandemia, em Roraima temos a prefeita Teresa Surita (MDB) e o seu mentor e mestre, o ex-senador Romero Jucá (MDB), que já se comportavam irresponsavelmente em relação ao coronavírus. Nas redes sociais e na imprensa, eles mandam ficar em casa e coisa & tal, mas na realidade eles fazem tudo diferente.
A prefeita chegou até a apagar as luzes das praças para forçar a população a ficar em casa, mas ao mesmo tempo Teresa e Jucá andam quase que diariamente para inaugurar praças e fazer campanha eleitoral para o seu candidato a prefeito. Jucá faz aglomerações no interior do Estado. Teresa aglomera na Capital, especialmente na inauguração de reformas de praças públicas.
A prefeita de Boa Vista nunca se esforçou para fiscalizar e fazer cumprir as determinações da quarentena, para não se queimar mais, e deixou a fiscalização municipal arrochar somente nos bares da periferia, fechando os olhos para o “liberou geral” em outros locais, onde as pessoas não apenas estão aglomeradas como sequer usam máscara; ou, se usam, é de forma inadequada, apenas como enfeite de orelha ou de queixo.
É isso o que sempre ocorreu nas feiras, nos centros comerciais (a exemplo da aglomeração diária em frente do comércio na Avenida das Guianas), nos semáforos ocupados por venezuelanos, no grande número de pessoas caminhando no final da Avenida Ville Roy e no complexo Ayrton Senna, nas casas lotéricas e agências da Caixa Econômica Federal, bem como nos eventos políticos que Teresa e Jucá fazem constantemente, inclusive com o próprio Jucá testando positivo para Covid-19.
Os verdadeiros culpados
Diante desse quadro, com a população que invadiu a Serra do Tepequém sem se preocupar com os procedimentos básicos, temos os grandes responsáveis por esse comportamento em massa de grande parte das pessoas: as autoridades que incentivam o “liberou geral”, do presidente da República à prefeita de Boa Vista, a qual segue as ordens do ex-senador Jucá, que tudo tem feito para tentar voltar ao poder, desesperadamente.
Temos também prefeituras do interior, largadas ao descaso e sem qualquer fiscalização por parte dos órgãos de controle, que além de não terem estrutura para enfrentar a pandemia, também não fazem questão de aplicar seriamente os recursos federais que chegaram aos montes do Governo Federal.
Embora os críticos tenham se concentrado no caso da Serra do Tepequém, o país de uma forma geral enfrentou um “liberou geral” em balneários públicos, bares, pontos turísticos e onde houvesse lugar para concentração de pessoas em fuga da quarentena. Foi um comportamento generalizado dos brasileiros, incentivados por boa parte de governantes que fizeram pouco caso da pandemia.
O povo tem sua parcela de culpa, mas os grandes responsáveis são os políticos, que agem irresponsavelmente, sendo exemplo para que ninguém respeite nada nesse Brasil da esculhambação.
*Colunista