A situação a que chegou a Penitenciária de Monte Cristo (Pamc) é resultado de décadas de descaso por parte das seguidas administrações, que agiram não apenas com desleixo assim como permitiram a corrupção se instalar de forma sistêmica, conforme já havia apontado uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa.
A doença de pele provocada por uma bactéria, que devora o corpo de detentos como se fosse um filme de mortos-vivos, é apenas mais um capítulo do depositário de gente em que aquele presídio se transformou. Mas é um cenário que nem comove mais uma sociedade que perdeu o pudor de ver rotineiramente corpos degolados no Anel Viário e vídeos no WhatsApp de jovens sendo mortos a golpes de faca ou tiros, na guerrilha comandada pelo crime organizado.
É a mesma sociedade que aprova o linchamento ou o brutal espancamento de ladrões no meio da rua, porque as pessoas não acreditam mais na polícia nem na Justiça, em um completo desconhecimento ou desrespeito ao Estado de direito democrático. Estamos vivenciando a volta à barbárie como ato aceitável porque ninguém mais acredita nas instituições.
A falta de cuidados médicos e de higiene, que levou os detentos a desenvolverem essa crônica doença de pele, assemelha-se a antigos leprosários para onde os doentes eram encaminhados para morrerem isolados. É um cenário da Idade Média, o mesmo que trucida gente no meio da rua ou nas cercanias da cidade. E tudo poderia ter sido evitado com água e sabão, espaço adequado e o mínimo dos direitos garantidos, como atendimento médico e banho de sol.
Estamos regredindo de forma impressionante como sociedade, não só na questão do sistema prisional (lembrando que a Pamc foi palco da maior chacina de todos os tempos em 2017) quanto na violência urbana e no retorno de doenças antes erradicadas, como o sarampo. Tudo graças ao definhamento da política como instrumento de garantia do bem-estar coletivo, infestada pela corrupção, pela incompetência e por interesses particulares ou de grupos.
A Penitenciária é nossa incompetência na política e a falência como sociedade, que não enxerga mais soluções na recuperação de presos, nem na garantia de seus direitos. Muito menos acredita no próprio ser humano, pois o trucidamento do outro virou regra nas periferias de qualquer parte do país. E os governos estão falidos devido à corrupção sistêmica e não conseguem soerguer-se diante de um enfrentamento binário de esquerda e direita que puxa para o extremismo de ambos os lados.
O Governo de Roraima precisa ter o caso da Pamc como exemplo de que é preciso fazer muito mais para combater antigas práticas e não permitir que desmandos do passado continuem se repetindo no presente. Manter um depositário de presos sendo devorados vivos por doença de pele é o nosso atestado de vergonha e de anos de descaso. Isso precisa mudar de forma urgente, não só no sistema prisional, mas em todos os setores da sociedade.
*Colunista