A desonestidade parece fazer parte do DNA de muitos brasileiros. Ao escrever o livro “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, um clássico do modernismo, Mário de Andrade abria uma discussão sobre a identidade brasileira. Até hoje ainda discutimos o tema, mas não há dúvida de que a falta de caráter é um dos grandes males que afeta o brasileiro.
O Black Friday, um movimento consumista copiado dos Estados Unidos, reflete com clareza a malandragem de empresários que tentam levar vantagem em cima dos clientes. As redes sociais mais uma vez ficaram cheias de relatos da fraude praticada por lojistas.
Em Boa Vista, uma loja comprou roupas de outra empresa que vende seus produtos por até R$10,00 e revendeu as peças adquiriras por R$15,00 como se fosse uma promoção. E os clientes menos atentos acharam que estavam diante de um desconto verdadeiro. Mas tratava-se apenas de mais uma “Black Fraude”.
A fraude mais clássicas de algumas lojas país afora, inclusive de redes que são âncoras em shoppings, é aumentar o valor do produto e colar uma etiqueta com um valor mais baixo como se fosse promocional. Algumas vezes, o preço é o mesmo praticado na loja, com apenas a etiqueta do preço anunciando uma promoção inexistente.
É a assim que muitos encaram esse país da malandragem. No dia a dia, é o cidadão comum tentando um “jeitinho brasileiro” de alguma forma: na fila, no estacionamento, no celular encontrado e não devolvido, no troco, na sonegação e no voto vendido para o candidato espertalhão.
Pensava-se que o brasileiro havia sido tomado por um novo caráter pautado na honestidade e moralização quando foi às urnas nas eleições passadas. Mas não foi bem assim. Há um seletivismo nessa opção política em que o corrupto é apenas o candidato adversário, relativizando a corrupção de acordo com a visão política, tanto de direita quanto de esquerda ou mesmo no centro.
Mário de Andrade conseguiu descrever com muita propriedade personagens que retratam as características do povo brasileiro. E Macunaíma é o principal, um herói sem caráter, que é índio, é negro e se transforma europeu (mas que poderia ser norte-americano), cujas ações são resultado de uma cultura mesclada pela malandragem, egoísmo, vingança e inocência. Esse parece ser o DNA brasileiro, que mais recentemente, mesmo sendo pobre, aplaude decisões políticas que só beneficiam quem já é rico.
A “Black Fraude” é tão somente uma figura desse grande mosaico de um povo sem caráter, que se apresenta como nacionalista, mas adota imediatamente qualquer moda ou movimento que vem dos Estados Unidos. Difícil acreditar numa transformação profunda que nos direcione para um caminho melhor, de desenvolvimento não apenas econômico, mas também cultural e social. Estamos fadado a ser um Macunaíma ou um povo com complexo de vira-lata, como disse o dramaturgo e escritor Nelson Gonçalves. Infelizmente.
*Colunista