Apesar de ser o menor colégio eleitoral do Brasil, com 366 mil votantes, o estado de Roraima chamou atenção na disputa pelo Planalto por causa da preferência por um candidato. Com 76,02% dos votos válidos no presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno —contra 23,92% do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT)—, Roraima registrou a maior vantagem do atual mandatário sobre o petista na eleição de 2022.
Dos 15 municípios de Roraima, Bolsonaro foi mais votado em 14. A única exceção foi Uiramutã, no extremo norte do país, onde Lula venceu por 68,20% a 31,80%. A cidade —que acabou virando uma ponta vermelha em um mapa de Roraima dominado por Bolsonaro— se diferencia das vizinhas pelo perfil de seus habitantes: segundo o Censo de 2010, o mais recente, 88% da população é indígena, a maior taxa do país.
Para a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), que em 2018 se tornou a primeira mulher indígena eleita para o Congresso, o discurso de Bolsonaro pesou nas urnas. Ela, assim como o presidente, não conseguiu se reeleger neste ano.
“O Bolsonaro zombou da gente lá no estado de Roraima. Na época da primeira campanha, em 2018, ele falava que indígena não ia ter vez no governo dele. E, realmente, ninguém teve vez, e nem voz”, afirma.
Em sua campanha vitoriosa de quatro anos atrás, Bolsonaro conquistou eleitores na região Norte com a promessa de não demarcar “nenhum milímetro” de terras indígenas. No final do ano passado, em cerimônia de filiação ao PL, ele culpou as regras ambientais pela situação econômica de Roraima.
“Se eu fosse rei de Roraima, em 10 anos teria um PIB igual ao de São Paulo, dado o potencial daquela região. E por que não vai para frente?”, questionou o presidente, que respondeu em seguida “As leis foram feitas para proteger de forma excessiva a região, e acabou prejudicando o estado”, diz.
Em Roraima, todavia, até os povos originários ficaram divididos. Enquanto Uiramutã deu vitória a Lula, outras três cidades de maioria indígena —Amajari, Normandia e Pacaraima, famosa pela fronteira com a Venezuela— preferiram Bolsonaro.
Eles foram as exceções no conjunto dos dez municípios com maior proporção de indígenas no Brasil. Os outros sete deram vitória a Lula no segundo turno; entre eles, está Uiramutã.
Por que Roraima votou em peso em Bolsonaro?
Para Joenia Wapichana, a votação expressiva do atual presidente em Roraima é explicada por uma questão histórica: segundo ela, as declarações de Bolsonaro tiveram eco na elite local, que, segundo ela, tem histórico de ignorar direitos dos povos indígenas.
“Eu acredito que já vem enraizada uma discriminação, inclusive institucionalizada, há muito tempo. Para nós, indígenas, isso ficou claro nos processos de demarcação das terras. Todos eram contra, até o governo estadual e os municípios. Quem estava ao nosso lado dos povos indígenas foram sempre entidades de defesa dos direitos humanos e órgãos como a OAB e o Ministério Público Federal”, afirma.
Uiramutã é situada ao lado da terra indígena Raposa Serra do Sol, que abriga 26 mil pessoas de cinco povos indígenas. Todos eles, de acordo com Wapichana, têm sido impactados nas últimas décadas por atividades como a pecuária, o garimpo e obras de infraestrutura.
“Todos os governantes que passaram por lá [Roraima] não tiveram uma proposta de desenvolvimento que fosse conciliada com os direitos dos povos indígenas”, explica.
O garimpo, segundo Wapichana, é o problema que mais aflige a população de Uiramutã. Para ela, o apoio de Bolsonaro à atividade o afastou do eleitorado da cidade. “As pessoas não esquecem tão fácil a época de garimpo, que matou muitos indígenas, que escravizou, que teve abuso de mulheres, que teve destruição do meio ambiente”, afirma.
O que explica o voto indígena em Lula? Embora tenha críticas aos governos do PT, o movimento indígena se alinhou a Lula desde a pré-campanha. As deputadas eleitas Sonia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG), por exemplo, são opositoras de Bolsonaro.
Em abril desse ano, Lula visitou o acampamento Terra Livre, em Brasília, que reuniu mais de 6 mil indígenas. Na ocasião, prometeu que criará o Ministério dos Povos Originários e reconheceu que o PT errou ao construir a usina de Belo Monte, inaugurada em 2006, devido ao impacto sobre os povos indígenas na região de Altamira (PA).
“Não tinha como ficar contra Lula nessa disputa. Porque o bolsonarismo foi tudo de ruim que aconteceu na vida dos povos indígenas e estava ainda ameaçando”, avalia Wapichana.
Em 2022, a deputada foi a mais votada em Uiramutã, mas não conseguiu se reeleger. Para ela, o direito dos indígenas ao voto ainda sofre limitações. “As pessoas moram muito distante de onde se encontram as urnas. Precisa de urna nas comunidades indígenas para não se sujeitarem a pressões. E muitos deixaram de votar por causa disso, de transporte”, diz.
– Uiramutã é o mais pobre dos municípios do Estado de Roraima. Expressiva maioria da população é constituída por indígenas e, possivelmente, onde se encontra um maior número de analfabetos e pessoas desconectadas o que os mantêm desinformados. Não àtoa, foi nesse município que nichos esquerdistas, como a CUT local, investiu seus recursos visando aumentar o eleitorado, fato impossível onde o eleitorado seja mais esclarecido. Como se vê, os defensores da pobreza não quertem eliminar a pobreza, pois dela se nutrem.