Assim que abri uma conta no Twitter, em 2009, que tinha sua versão exclusiva em inglês, surgiram pessoas que insistiam em dizer que essa rede social havia se transformado em um veículo de comunicação. Na verdade, queriam dizer que o Twitter estava começando a fazer o papel da imprensa (muitos achavam que estavam fazendo jornalismo), pois os internautas passaram a produzir seus próprios conteúdos, inclusive pautando e criticando severamente a mídia tradicional.
Anos se passaram, novas redes sociais se fortaleceram, a exemplo do Facebook, e uma nova realidade midiática foi estabelecida, com o jornalismo tendo que se reinventar para fazer frente à fragmentação da notícia e ao fortalecimento das notícias falsas, as fake news, que sempre existiram, mas que desta vez foram estruturadas não apenas para desinformar, como também construir novas realidades a partir da mentira.
Mais que nunca, hoje tornou-se necessário frisar que as redes sociais são instrumentos de comunicação, inclusive com compartilhamento de notícias, mas jamais podem ser consideradas como jornalismo. Qualquer pessoa pode ter um perfil no Twitter, Facebook e Instagram para comentar o que quiser, produzindo seus próprios conteúdos. Mas essas pessoas não estão fazendo jornalismo, não estão produzindo matérias.
Jornalismo não é a produção de uma simples notícia ou conteúdo. Jornalismo exige técnica, precisa ter comprovação e compromisso com a verdade e a ética, necessita de contexto e responsabilidade para formar cidadãos conscientes de seu papel na sociedade. Até mesmo no jornalismo de opinião, que não se enquadra nas técnicas jornalísticas, é necessário estar resguardado de todos os preceitos profissionais e éticos.
Mas é também essencial frisar: ir para as redes sociais produzir qualquer conteúdo é legítimo, está garantido na Constituição como liberdade de expressão. É essa liberdade de expressão que garante qualquer cidadão ir para o Facebook ou Twitter atacar ou mesmo achincalhar quem ele quiser. Mas essa mesma liberdade significa que o autor desse ataque e/ou achincalhamento também responda judicialmente pelos seus atos.
O que está ocorrendo, dentro dessa nova realidade midiática, é que as redes sociais se tornaram um duto de propagação de mentiras estrategicamente trabalhadas para desinformar e jogar a opinião pública contra a imprensa, cujo papel é essencial para uma sociedade democrática. Há um movimento mundial, encrudescido a partir da eleição do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, que se organizou para destruir a imprensa que contesta, denuncia, contraria e expõe o que políticos e governos querem esconder.
No Brasil, o encrudescimento desse ataque organizado e sistemático foi iniciado a partir da eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL). É a primeira vez que um grupo político não apenas se concentrou contra um grupo político adversário (como deve ser o embate político democrático) como também partiu contra a imprensa. E isso é extremamente perigoso, por isso é necessário a sociedade reagir contra normalização das fake news a partir da distração.
A sociedade não pode aceitar como normal as notícias falsas como uma distração diante de um movimento que visa fragmentar a informação para que as pessoas apenas aceitem parte da realidade ou da mentira sem refletir as consequências. Da mesma forma que estão normatizando tudo aquilo que antes a sociedade repudiava. Pior: estão fazendo com que as pessoas sintam-se envergonhadas ou intimidadas em contestar o que está errado e o que está sendo empurrado como “nova política” ou “nova ordem social”.
O momento exige muita atenção. E a imprensa, ainda que ela erre (porque é feita por humanos), é o único instrumento que não apenas informa, mas que permite alimentar o senso crítico nas pessoas, essencial para qualquer sociedade que busca eliminar as injustiças. Ninguém pode ficar refém dos algorítimos das redes sociais, pois quem se informa apenas com aquilo que o agrada acaba sendo alvo fácil de mentiras e manipulações. Esse é o jogo – e temos que saber jogar.
*Colunista